Entrevistas

Gangrena Gasosa: “Quando lançamos nosso DVD, sofremos ameaças espirituais e físicas por parte de alguns evangélicos “

Gangrena Gasosa: “Quando lançamos nosso DVD, sofremos ameaças espirituais e físicas por parte de alguns evangélicos “

29 de janeiro de 2021


Vocalista Angelo Arede

Diego Padilha

Vocalista Angelo Arede

A Gangrena Gasosa surgiu como uma brincadeira e hoje é uma banda única ao incorporar elementos da cultura e religião afro brasileira com heavy metal e hardcore. A banda fez muito sucesso nos anos 90 e segue atualmente com nova formação e novos lançamentos.

O vocalista Angelo Arede concedeu uma entrevista ao site Headbangers News para falar sobre a banda, religião, ataques preconceituosos que sofreram no decorrer da carreira, briga judicial e sobre apoiar a cena metal brasileira.

A Gangrena Gasosa é uma banda única ao incorporar elementos da cultura e religião afro brasileira com heavy metal e hardcore. Como surgiu esta idéia? E quais bandas você poderia citar como as maiores influencias.

Começou como brincadeira de uma galera das Zonas Oeste e Norte do Rio nos points de rock e skate misturando de zoeira símbolos de macumba com elementos da cultura alternativa daquele início de anos 90. A primeira e principal influência da banda no começo foi o Ratos de Porão. Inclusive a banda foi formada com o objetivo de abrir um show pro RDP.

 

É impossível conversar com a Gangrena Gasosa sem cair no aspecto religião. Os membros da banda professam alguma religião?

Na banda eu sou o mais próximo ao Candomblé por minha mãe ser Mãe de Santo. Mas no Rio pra quem tem mais de 30 anos é comum a Umbanda ou o Candomblé ser a segunda religião. Quase todo carioca dessa faixa etária pra cima, mesmo sendo cristão, já foi a algum terreiro tomar um passe, fazer algum trabalho curativo ou feitiço pra ter sucesso no trabalho ou no amor. Com a ascensão das mais recentes seitas evangélicas isso foi acabando.

 

Além da parte musical, esta incorporação de elementos das religiões afro brasileiras ocorre também nas letras e no visual da banda onde cada integrante incorpora uma entidade. Eu estava me lembrando que, quando o Black Sabbath começou, o pai do Ozzy Osbourne fez cruzes de metal para os integrantes usarem como uma “proteção contra os maus espíritos”. Alguém já tentou fazer algo parecido com a banda?

Seguimos alguns conselhos dos guias que representamos no palco, pra não virar esculacho e depois tomarmos um coió (algo como surra espiritual) de bobeira. Se vamos utilizar os arquétipos nada mais justo que seja feito na moral, faz bem e preserva os dentes.

 

Hoje em dia é comum assistir a notícias sobre terreiros de candomblé e umbanda sendo depredados por todo o país e dificilmente vemos alguma atitude do pode público contra esses atos. A banda já enfrentou algum caso de intolerância religiosa?

Quando o nosso DVD ‘Desagradável’ foi lançado viramos matéria no site evangélico Gospel Prime que foi compartilhada pelo Silas Malafaia. Nessa ocasião nossas redes e e-mails foram soterrados de ameaças espirituais e físicas. Os mais moderados diziam que queriam nos ver esquartejados queimando no fogo do inferno. Alguns disseram que fariam isso fisicamente. Coisas do amor cristão.

Desde a sua fundação, a banda sofreu varias mudanças em sua formação e até briga judicial com os antigos integrantes pelo nome. Como anda esse processo pelo nome da banda (n.r. a ultima informação que vi foi de 2018) e como você avalia a atual formação?

Depois de 4 anos enfrentando uma campanha de destruição de reputação com posts patrocinados que contava até com assédio aos meus familiares, tendo que rebater e invalidar um monte de recursos loucos no INPI, o nome está devidamente registrado e sem recurso possível.

Nunca sequer pensei que pudesse existir resultado diferente, deve ter sido o caso mais fácil de investigar pelo INPI de tão óbvio, só que levou um tempo pra tudo ser apreciado e julgado. Felizmente com a ajuda dos meus companheiros e companheira de banda fomos até o fim e a justiça foi feita.

Essa formação é aquela que dá gosto sair de casa pra ensaiar. Além de serem meus amigos são artistas incríveis, dá prazer tocar e estar junto. Esse prazer é evidente nos shows, está escancarado nas músicas novas e vai trazer muita coisa boa pra quem curte a Gangrena Gasosa.

 

Você acha que esta constante troca de integrantes atrapalhou de alguma forma a seqüência de lançamentos?

Sempre trava um pouco mas a gente é teimoso. Símbolo maior disso foi termos que arrumar vocalista novo pra gravar o “Gente Ruim…”, que atrasou a gravação em muitos meses. Porque não eram só as músicas novas, mas um repertório enorme que tocamos nos shows, que continuavam rolando.

Nesse caso foi por conta do antigo vocalista sair pra se dedicar ao nascimento da primeira filha. Aliás a Gangrena é uma banda fértil, muita gente entra e de repente PLÁU, um boneco.

 

 As letras da Gangrena Gasosa fazem críticas bem acidas a religião (“Fiscal de Cu”, “Engodo We Trust” e “Se Deus é 10, Satanás é 666”, por exemplo) com muito bom humor. Como é passar uma mensagem desta forma?  

É o procedimento de Exu, que brincando fala muito sério. Humor é a forma mais eficiente de confrontar qualquer coisa e é a essência da banda. E tá cada vez mais difícil do humor competir com as merdas que acontecem por aqui. O roteirista do ‘Brasil’ tá muito doido.

Felipe Diniz

Nos últimos anos a indústria musical passou por uma revolução na forma de fazer e ouvir musica. Hoje temos streaming, crowdfunding (que a Gangrena inclusive já fez) que mudaram muita coisa. Quais são os pontos positivos e negativos que você avalia neste processo?

O ponto positivo é que você pode gerenciar quase todos os processos necessários pra ter uma banda e buscar relativo sucesso.
O ponto negativo é que você tem que dominar todos esses processos.

É muito mais fácil hoje em dia você ter uma banda e divulgá-la que nos anos 90. Mas pra dar minimamente certo o artista hoje tem que trabalhar muito além das suas competências musicais e precisa ter o mínimo conhecimento de marketing, financiamento e produção. Não dá mais pra ser artista e se preocupar somente em tocar bem. Esse tempo já foi.

Ah, outro ponto negativo é a forma de repasse das plataformas digitais aos artistas, é de cair o cu da bunda. Milhares de execuções da sua música converte centavos. Uma vergonha.

 

Quais são os planos da banda após o fim da pandemia?

Primeiro estamos nos preocupando em ficar vivos.

Quanto aos planos, estamos compondo o disco novo e já temos bastante material. To me sentindo importantão sabendo que pela primeira vamos ter que descartar um monte de música e escolher somente umas 12 ou 15 pro disco novo. Também pretendemos levar o Saravá Metal pra fora do país mais uma vez.

 

Deixe uma mensagem para os leitores do Headbangers News.

Não importa se você é Headbanger, Macumbanger ou as duas coisas, se você curte som porrada precisa participar de verdade da cena do seu bairro, da sua cidade. A música pesada nunca vai ter destaque na mídia mainstream, somos nós por nós mesmos. É meio clichê mas é a mais cristalina verdade: Apoie a cena local!

Siga os veículos que falam da música que você gosta, apoie as bandas, seja comprando merchandise oficial, seja compartilhando conteúdo nas redes ou indo aos shows. Busque quem apoia e divulga o som pesado quando for comprar roupas ou contratar serviços, como tatuagem por exemplo. Metaleiro compra de metaleiro. Participe ativamente da sua cena local porque se não ela deixa de existir e você vai ter que se deslocar pras grandes capitais quando quiser ver meia dúzia de shows de rock por ano. E segue a Gangrena Gasosa nas redes sociais. Saravá!