Em 29 de julho de 2003, o Nevermore lançava seu quinto full-lenght: “Enemies of Reality” é o tema do nosso Memory Remains desta sexta-feira, na semana que temos dois discos desta maravilhosa banda de Seattle apagando as velinhas. Na segunda-feira, nós falamos sobre ‘This Godless Endeavor” e se você tiver perdido o texto, não tem problema, você pode ler clicando AQUI.
O aniversariante do dia tinha a difícil missão de manter a banda no memso nível do melhor trabalho da banda, que foi o seu antecessor , “Dead Heart in a Dead World”. Mas as coisas quase deram errado. Tudo porque a banda resolveu mexer no time que estava vencendo e arriscar em uma escolha que quase pôs tudo a perder.
As coisas conspiravam a favor da banda de Warrel Dane e Jeff Loomis: ótimo disco lançado e excelente recepção, tando da crítica quanto do público; turnê extensa passando por lugares jamais visitados pela banda, Brasil inclusive, em 2001, tendo São Paulo e Curitiba recebendo as apresentações, que contaram com abertura do Krisiun e Necromancia. Era a hora de escrever novas músicas e continuar subindo, mas aí a banda errou a mão: escolheu um produtor nada familiarizado com o Heavy Metal, Kelly Gray.
Kelly Gray é natural de Seattle, assim como os membros do NM e havia sido guitarrista do Queensryche. No entanto, sua experiência era muito, mas muito pequena. E pegar uma banda com a sonoridade bastante complexa, foi um erro brutal. De ambas as partes. Porque aquela altura do campeonato, o mais correto seria manter Andy Sneap cuidando das gravações ou procurar um produtor ainda melhor. O resultado foi tenebroso e embora as músicas sejam ótimas e Aainda mais pesadas e raivosas, o ouvinte não consegue identificar os instrumentos, está tudo muito embolado e a experiência de ouvir a versão original do álbum não é nada boa.
Depois de sofrer muitas críticas, eles tiveram a chance de se redimir e chamaram às pressas Andy Sneap para que ele pudesse salvar o que fosse possível. O cara não faz milagres, mas neste caso aqui, podemos até dizer que não será nenhum absurdo se ele for canonizado quando passar dessa para melhor. Sneap simplesmente transformou o disco, fazendo com que ele se tornasse bem honesto. Não vou aqui execrar o Kelly Gray, ele só era o cara errado, no lugar errado e na hora errada.
Pois então a banda, na época um quarteto (Jeff Loomis se encarrgeou de fazer todas as guitarras em estúdio), adentrou ao “House of Rock and Metalworks”, estúdio localizado em Seattle. O clima na banda não era dos melhores, devido a pressão da Century Media pela renovação do contrato antes de encerrar o vínculo e como os caras não aceitaram, o selo reduziu drasticamente o investimento. Warrel Dane reconheceu em uma entrevista que estaa animosidade certamente deixou o disco mais raivoso. Vamos lá então destrinchar as nove músicas presentes no aniversariante do dia:
A faixa título que abre o disco, com uns barulhos chatinhos em sua intro, até que Van Williams chega com uma virada de bateria e muda os rumos da música que é gigante, pesada, raivosa, bem Thrash Metal, com riffs magníficos e claro, a voz de Dane brilhando. O solo de Jeff, maravilhoso como de praxe. O disco começava muito bem, obrigado.
Capa da versão remasterizada do play.
“Ambivalent” é densa, pesada, agressiva e tem um Van Williams inquieto em seu bumbo duplo, que tem raríssimas pausas durante a extensão da faixa. Outro som maravilhoso. “Never Purify” foi a primeira faixa que de fato me chamou a atenção por manter o peso e a agressividade da faixa anterior, porém, com um andamento um pouco mais rápido. E mostra um Jeff Loomis inspirado, tanto nos riffs, quanto no solo. E na primeira versão, eu ficava intrigado, pois uma música tão boa, era avacalhada por uma produção tosca.
Uma quebrada na agressividade extrema do álbum com uma música mais lenta: “Tomorrow Turned into Yesterday” não deixa de ser pesada, mas é mais grooveada, Van Williams tendo uma levada com mais swing no refrão e a performance incrível de Dane, uma das melhores de sua carreira. Essa música é linda.
A faixa cinco é o grande hit do disco: “I, Voyager“, uma música ao mesmo tempo diferente e ao mesmo tempo tipicamente Nevermore. E Warrel Dane lembrava que esta seria uma das músicas mais difíceis de ser tocada ao vivo, e contou que a banda chegou a colar as cifras da música nas paredes do estúdio e que Van Williams chegou a questionar como eles tocariam ao vivo. Mas eles tiraram de letra, a música é bem complexa, pesada, com riffs intrincados e diversas mudanças de andamento bastante interessantes. Abaixo, o leitor pode conferir um vídeo com a banda arrebentando na música.
“Create the Infinite” é outra das mais raivosas do álbum e também se destaca pela sua complexidade. Aqui todos os músicos têm uma performance impecável. Uma pequena mudança no andamento durante o meio da música, para dar um pequeno descanso aos nossos pescoços, mas logo a pancadaria retorna. “Who Decides” é a música mais curiosa do álbum. Ela começa rápida, pesada e agressiva e segundos antes da entrada dos vocais de Dane, a música se transforma em uma balada. Mas atenção: o fã de Nevermore sabe que a banda quando se prestava a fazer uma balada, jamais tirava o peso da música. E aqui a regra era mantida, onde a música é “calma” até a parte final, onde os riffs violentos da introdução retornam para encerrar a música com chave de ouro.
“Noumenon” apesar dos seus mais de 4 minutos, é mais uma introdução para a música posterior, “Seed Awakening“, onde Dane repete os versos principais do refrão da faixa que encerra o álbum: “there’s no stronger drug than reality/ twist and change, time is nothing/ regret anything“.
E a faixa final entra com os riffs mais nervosos que Jeff Loomis já compôs em sua carreira. E tanto os riffs da introdução, quanto os da base da música, e também os que fecham a música são perfeitos. Mas temos uma quebra no andamento da música para que Jim Sheppard pudesse dar o seu show no baixo, que brilha acompanhado de Van Williams.
43 minutos depois, chegamos a conclusão de que estamos disco bem diferente de tudo que o Nevermore fez em sua carreira, injustiçado, pois ele é forte, pesado, técnico e agressivo como nunca a banda havia soado. A banda conseguiu tudo isso em pouco mais de 40 minutos de gravação. Especial demais.
“Enemies of Reality” chegou ao 87º lugar no chart da Holanda e em 130º na França. Em 2005, ele foi remixado e sua versão em CD ganhou três vídeos como bônus: os videoclipes oficiais para “Enemies of Reality” e “I, Voyager”, além de uma versão matadora para “Enemies of Reality”, gravada em uma apresentação no Wacken Open Air de 2004.
O título do álbum foi retirado do filme “eXistenZ“, de David Croenberg. Dane explicou que um dos personagens do filme, em determinado momento fala “Maybe we’re just the enemies of reality“ (Talvez nós sejamos apenas os inimigos da realidade, em livre tradução), e que isso ficou grudado em sua mente. Da mesma forma que anos mais tarde, ele ficaria fixado com o nome da casa paulistana “Madame Satã” e escreveria uma letra com este título, em seu álbum solo, lançado postumamente, “Shadow Work” (2018).
A minha relação com este disco é de muito carinho. Gosto tanto dele que tenho as duas versões, mas confesso que hoje em dia eu raramente escuto a versão original, fico com a versão remixada, pois é muito melhor. E este é um disco importante na carreira da banda e que por isso se faz digno da homenagem por mais um ano de vida. Aos fãs do Nevermore, resta o saudosismo, pois não existe nenhuma chance de um retorno sem o seu fundador e a voz marcante, que era essa lenda chamada Warrel Dane. Celebremos essa obra prima, colocando a bolacha para tocar no volume máximo. Como eu sempre digo, eu ouço gente morta!
Enemies of Reality – Nevermore
Data de lançamento – 29/07/2003
Gravadora – Century Media
Faixas:
01 – Enemies of Reality
02 – Ambivalent
03 – Never Purify
04 – Tomorrow Turned into Yesterday
05 – I, Voyager
06 – Create the Infinte
07 – Who Decides
08 – Noumenon
09 – Seed Awakening
Formação:
Warrel Dane – Vocal
Jeff Loomis – Guitarra
Jim Sheppard – Baixo
Van Williams – Bateria