Há exatos 44 anos, em 24 de março de 1979, quando este redator que vos escreve aguardava mais sete meses para sair do ventre de sua mãe, o Motörhead lançava seu segundo álbum, um dos mais aclamados da carreira da banda de Lemmy Killmster. Sim, estamos falando de “Overkill“, que é tema do nosso Memory Remains desta sexta-feira.
O álbum marca a estreia da banda pelo selo Bronze, com o qual a banda ainda lançaria mais 4 álbuns nos próximos 4 anos, entre eles, os clássicos “Bomber” (1979), “Ace of Spades” (1981) e “Iron Fist” (1982).
Em 1978, após a boa repercussão que a a banda teve com seu auto-intitulado álbum de estreia, a Bronze assinou um contrato com o Motörhead e logo o trio se juntou no Wessex Studios, em Londres para gravar uma versão para “Louie Louie“, de Richard Berry e “Tear Ya Down“, até então, uma canção inédita da banda e que acabou entrando no aniversariante do dia. Depois de sair em turnê para divulgar esse single, o Motörhead viu a música “Louie Louie” fazer um sucesso discreto. O produtor Garry Brown, certa vez relembrou sobre a primeira vez que escutou o som do Motörhead. Aspas para o cara:
“A primeira vez que ouvi Motörhead foi quando ouvi um single que lancei sem ouvir, que é “Louie Louie”, e quando ouvi fiquei absolutamente horrorizado. Achei que era o pior disco que já ouvi. , então foi um choque. O maior choque foi que, tendo lançado um disco que achei terrível, ele foi direto para as paradas em # 72. Mas, na verdade, lancei o disco como um favor.”
Mesmo com a péssima impressão do som da banda, as vendas do single foram boas e isso deu ao Motörhead a possibilidade de uma aparição na BBC, mais precisamente no Top of the Pops. Isso deu a Bronze a confiança para levar Lemmy e seus “blue caps” de volta ao estúdio, para gravar o vindouro álbum, desta vez, um full-lenght. No ano de 2011, o biógrafo Joel Mclver, escreveu o seguinte, no livro “Overkill: the untold story of Motörhead“.
“Tivemos tantos falsos começos e decepções quando o Overkill apareceu em 1978 que tínhamos armazenado muita energia e ideias – e estávamos apenas esperando a oportunidade de mostrar o que podíamos fazer. Também tínhamos muitos seguidores, e sempre sentimos que devíamos aos fãs que estiveram conosco desde o início..”
Então todos se reuniram, em dois estúdios londrinos: Roundhouse e o Sound Development, tendo as companhias dos produtores Jimmi Miller e Neil Richmond, tendo o primeiro já trabalhado no com nomes como Traffic e The Rolling Stones. Ficaram por lá entre dezembro de 1978 e janeiro de 1979.
“Damage Case” foi composta Motörhead em parceria com a banda The Deviants. “Metropolis“, segundo o próprio Lemmy, foi escrita em cinco minutos, depois de assistir o filme homônimo e “I’ll be Your Sister“, Lemmy sempre afirmou que gostaria de ver essa música gravada por ninguém menos que Tina Turner. Aspas para a lenda do Rock and Roll:
“Gosto de escrever canções para mulheres. Na verdade, já escrevi canções com mulheres. Já fui chamado de sexista por algumas facções de feministas radicais e frígidas, mas eles não sabem do que estão falando.”
A faixa título que se tornou icônica e até mesmo obrigatória nos shows da banda, teve uma história curiosa quando da sua criação. E quem conta é o saudoso baterista Phil “Animal” Taylor. Vamos dar aspas para o criador dessa belezura:
“Eu sempre quis tocar dois bumbos, mas sempre disse a mim mesmo: ‘Não, não vou ser um desses idiotas que sobem no palco e têm dois bumbos e nunca nem tocam’. Não, eu posso tocá-los. Então eu peguei esse outro bumbo e costumava ir aos ensaios algumas horas antes dos outros caras e apenas praticar, você sabe, apenas sentar lá (imita chutar com os dois pés) como correr , ou algo assim… Eu estava realmente tocando aquele riff, apenas tentando acertar minha coordenação, quando Eddie e Lemmy entraram, e eu estava prestes a parar e eles disseram, ‘Não, não pare! Continue! ‘… E foi assim que Overkill foi escrito.”
E botando a bolacha para rolar… A faixa título é simplesmente sensacional, levanta qualquer defunto de sua sepultura com os bumbos de Phil “Animal” Taylor, que combinam perfeitamente com os riffs de “Fast” Eddie Clarke e a inconfundível voz e o baixo distorcido de Lemmy. Anos mais tarde o Metallica acabou fazendo um cover para essa canção, que ficou imortalizada no álbum “Garage Inc.” (1998). James Hetfield e Cia. conseguiram melhorar o que já era quase perfeito. E ao longo do tempo, a própria banda conseguiu dar um upgrade maravilhoso à música.
“Stay Clean” segue com Phil “Animal” Taylor dando seu espetáculo, com viradas aninalescas (com perdão do trocadilho com o apelido da fera) em seu kit de bateria. Uma canção mais calma que a anterior e o cara botando para quebrar, como se estivesse tocando uma música completamente diferente dos seus dois parceiros. Alucinante. O primeiro solo da música foi gravado por Lemmy.
“(I Won’t) Pay Your Price” é uma bela e agradável mistura de Rock and Roll com Country, um dos grandes momentos do play. A seguir temos a faixa que Lemmy dedicou a Tina Turner, “I’ll be Your Sister“, uma música densa e que mostra o quanto o Motörhead serviu de inspiração para algumas bandas de Rock alternativo dos anos 1990. Novamente Phil “Animal” Taylor se destaca na levada de sua bateria, com mais viradas que nos faz achar que estamos diante de um John Bohan ou um Bill Ward. Guardadas as proporções, obviamente.
“Capricorn“, por sua vez, traz um Motörhead mais psicodélico. O Rock and Roll tradicional do Motörhead retorna com “No Class“, aquela música que você ouve e antes mesmo que Lemmy abra a boca, você diz: “É Motörhead“. A banda que ao longo do tempo fez um som que alguns acham repetitivo, mas que ninguém ligava, pois a certeza de divertimento era total.
A bola da vez é mais um clássico forjado pela banda: “Damage Case“, um baita Rockão, sujo e pesado. O Metallica também a regravou no já citado álbum “Garage Inc.“, mas não conseguiram superar os mestres, ainda que a versão do quarteto de San Francisco tenha ficado muito boa.
A trinca final do play é marcada pela divertidíssima “Tear Ya Down“, que conta com um solo bem legal e um clima festivo, a cadenciada “Metropolis“, que tem uma influência forte de Neil Young, além de contar com um Phil “Animal” Taylor inspirado. O timbre da guitarra também está muito bom, bem rústico, não muito sujo, e a faixa derradeira, “Limb from Limb“, que começa com um clima bem Southern, ganhando velocidade a partir da metade final e contando com outro solo de Lemmy. Um final apoteótico para um álbum não menos apoteótico.
O álbum teve um sucesso inesperado, que ajudou a catapultar o álbum posterior, “Ace of Spades“, o grande “às de espada” do Motörhead, fazendo mais um trocadilho. Voltando à “Overkill“, o álbum alcançou, no ano de seu lançamento, a 17ª posição nas paradas da França e a 24ª em seu país natal, a Inglaterra. Em 2019, o play retornou a frequentar os charts, ficando em 96° na Alemanha e 168° na Bélgica. Foi certificado com Disco de Prata no Reino Unido.
A revista estadunidense Kerrang! classificou o álbum em 46° lugar em sua lista dos 100 maiores álbuns de Heavy Metal de todos os tempos. Em 2005, a revista Rock Hard compilou a sua lista com os 500 melhores álbuns de Rock e Metal de todos os tempos e colocou “Overkill” na posição de número 340. O álbum inspirou a banda de Thrash Metal Overkill, que assim deu à banda o mesmo nome que o álbum. A importância desta bolacha já pode ser mensurada por causar essas reações descritas neste parágrafo.
Infelizmente, todos os três envolvidos não estão mais entre nós e se você acredita em vida após a morte, Lemmy, Phil Taylor e Eddie Clarke estão em algum lugar do pós-vida, fazendo um bom som regado a muita cerveja, no caso de Lemmy, Jack Daniels com Coca-Cola, ou simplesmente “Lemmyonade”, como ele se referia a bebida. O legado do Motörhead é lindo e esse foi só o primeiro dos grandes clássicos que o Motörhead lançou durante seus 40 anos de existência. A morte de Lemmy impede a possibilidade de uma continuação da banda e isso nem deve ser cogitado. Sorte de quem os viu e azar o de muitas pessoas, como este redator, que não teve a honra de vê-los in loco. Hoje é dia de celebrar esse tesouro, amado por punks e por headbangers. O disco que uniu gregos e troianos. Coisa que só o Motörhead conseguia fazer.
Overkill – Motörhead
Data de lançamento – 24/03/1979
Gravadora – Bronze
Faixas:
01 – Overkill
02 – Stay Clean
03 – (I Won’t) Pay Your Price
04 – I’ll be Your Sister
05 – Capricorn
06 – No Class
07 – Damage Cage
08 – Tear Ya Down
09 – Metropolis
10 – Limb from Limb
Formação:
Lemmy Killmster – baixo/ vocal/ guitarra solo em “Stay Clean” e “Limb from Limb”
“Fast” Eddie Clarke – guitarra
Phil “Animal” Taylor – bateria