A sexta-feira paulistana, quente como o inferno, recebeu um evento capaz de enlouquecer os metaleiros, especialmente aqueles fãs de death metal em sua vertente mais técnica. Desta vez – ou, melhor dizendo, mais uma vez – o culto ao sinistro aconteceu no Fabrique Club, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, um local que tem se consolidado como palco de shows pesados dentro do gênero extremo, como os de Atheist e Cryptopsy.
Do lado de fora, a temperatura estava insuportável, mas dentro da casa, o ambiente era bem agradável, graças ao eficiente sistema de ar condicionado, que é sempre um alívio. Como era um dia útil e o horário coincidia com o pico do retorno dos trabalhadores para casa, o público ainda não havia tomado conta completamente do espaço. Contudo, como o metal underground é um gênero formado por bandas e fãs aguerridos, a festa logo ganhou força, apesar de o público ter sido menor do que o esperado.
Atheist e seu ritual de death metal progressivo
Com o clássico “In the Flesh”, do Pink Floyd, tocando ao fundo, os americanos do Atheist subiram ao palco às 19h45 para impressionar até o fã mais exigente.
A performance da banda foi marcada pela intensidade de seus integrantes: Kelly Shaefer (vocais), Alex Haddad (guitarra), Jerry Witunsky (guitarra), Yoav Ruiz-Feingold (baixo) e Steve Flynn (bateria), especialmente o baixista Yoav Ruiz-Feingold, que ostentava seu baixo de cinco cordas enquanto interagia com o público, chamando todos a vibrar junto. O vocalista Kelly Shaefer, com seu visual que mesclava Axl Rose e Willie Nelson, se destacou com um boné para trás e uma bandana vermelha, transmitindo uma energia total durante a performance. Em um dos momentos mais descontraídos da noite, ele ainda equilibrou uma garrafa de whisky (ou seria Jägermeister?) sobre a cabeça antes de dar alguns goles – ele, que é o único membro da formação original.
O setlist focou nos três primeiros e mais clássicos álbuns da banda: “Piece of Time” (1989), “Unquestionable Presence” (1991) e “Elements” (1993), deixando de fora apenas as músicas do “Jupiter”, lançado em 2010.
“No Truth”, “On They Slay” e “Unholy War” foram as primeiras canções apresentadas, todas do brilhante disco de estreia. Em “Unholy War”, tivemos o momento mais apoteótico dessa primeira meia hora de show, com Yoav endiabrado, esmerilhando as cordas do seu baixo e dominando todos os espaços do palco. O rapaz é uma fera!
A partir daí, o foco se voltou para o álbum “Mineral”, com duas canções representando o disco: “Water” e “Mineral”. Um pouco mais adiante, as faixas “Air” e “Fire” também entraram no set, mas “Samba Briza”, pedida insistentemente pelo público, ficou de fora.
O lendário segundo álbum, “Unquestionable Presence”, foi muito bem representado pela quebrada “Brains”, pela brutal “Enthralled in Essence”, pela inquieta “Mother Man”, pelo hino homônimo “Unquestionable Presence” e por “Your Life’s Retribution”, que, pelo menos para mim, foi hipnótica, prendendo minha atenção até o final. Incrível!
Outro destaque que merece uma menção honrosa é “I Deny”, que foi dedicada a Roger Patterson, o lendário baixista da formação original.
Em resumo, o Atheist trouxe ao palco do Fabrique um show altamente técnico, cheio de camadas, quebras rítmicas e uma banda bem alinhada, comprometida em entregar uma performance sem firulas. Enfrentaram o calor, um pequeno problema técnico com a guitarra de Alex Haddad, que foi rapidamente resolvido enquanto a banda continuava sua performance, e a frustração de não ter a casa completamente lotada – eles mereciam muito mais energia. Espero vê-los em breve!
Da Raiz ao Futuro: Cryptopsy e a evolução do death metal
Às 21h10, os canadenses do Cryptopsy subiram ao palco trazendo o que podemos chamar de brutal death metal em sua vertente mais próxima do tradicional.
Matt McGachy (vocal), Christian Donaldson (guitarra), Olivier Pinard (baixo e backing vocals) e Flo Mounier (bateria) — único membro da formação original — prepararam um setlist focado nos dois primeiros e clássicos álbuns “Blasphemy Made Flesh” (1994) e “None So Vile” (1996), no EP “The Book of Suffering: Tome II” (1998) e no mais recente “As Gomorrah Burns” (2023).
Como um convite para viajar no tempo, a banda subiu ao palco sem conversas, começando com “Slit Your Guts”, do clássico e exuberante “None So Vile”. Inclusive, fãs usavam camisetas desse álbum, demonstrando que essa obra é, sem dúvida, a favorita — ponto final. A capa é uma afronta, de tão maravilhosa! Que os cristãos não me leiam, mas é simplesmente fantástica.
“Lascivious Undivine”, música que abre o ótimo “As Gomorrah Burns”, soou como uma pedrada na cara dos presentes, remetendo ao formato mais clássico do gênero, como fazia a banda Death e, como fazem até hoje, o Cannibal Corpse. Claro, há elementos da escola canadense, como as influências de bandas como Voivod, mas a comparação é inevitável.
“Graves of the Fathers” e “Sire of Sin” — a única música do EP “The Book of Suffering: Tome II” — seguiram quase sem pausas, o que fez o público se entregar em uma roda de fãs apaixonados, tentando imitar o poder vocal de Matt McGachy, que, inclusive, foi comparado a Wesley Safadão devido à semelhança do cabelo liso e bastante comprido.
Para representar o debut “Blasphemy Made Flesh”, tivemos “somente” as maravilhosas “Open Face Surgery” e “Serial Messiah”, que, assim como no álbum, foram tocadas na ordem original, lançado em 1994. Em “Serial Messiah”, especialmente, a sinergia entre público e banda foi “acalorada”, fazendo a magia acontecer.
“Godless Deceiver”, “Benedictine Convulsions” e “Flayed the Swine” prepararam o público para o grand finale, com as duas músicas mais “apodrecidas” do setlist. E claro, não poderia ser de outro disco senão o mais amado “None So Vile”: a climática e ruidosa “Phobophile” e “Orgiastic Disembowelment”, que fecharam a noite de maneira marcante para os fãs mais atentos e apaixonados por death metal.
Foi um evento inesquecível e, para quem compareceu, além de fortalecer a cena no Brasil, a oportunidade de apreciar duas bandas que se admiram e se respeitam, de escolas diferentes, tornando a noite ainda mais especial. Tivemos uma banda altamente técnica, que propôs o ritual do fim do mundo a partir de inserções de metal progressivo e jazz, enquanto a outra, apesar de também ser técnica, seguiu muito bem a linha do death clássico sujo. Essa junção de Atheist e Cryptopsy é a prova de que o mainstream não é tudo, e o underground merece, sim, muito respeito.
Galeria do show
- Atheist se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Atheist se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Atheist se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News
- Cryptopsy se apresenta no Fabrique Club em SP na noite de 21 de fevereiro de 2025. Fabiano Miranda/Headbangers News