Imagine um quadrinho distópico, violento, filosófico, que aborda o autoconhecimento e o existencialismo. Pode não parecer algo tão inédito assim hoje em dia, mas, e se ele tivesse também se inspirado em dois influentes discos do underground mundial?
Esse enredo complexo está em “Sat-Sugai”, obra do ilustrador, músico da banda fluminense de hard core Amnésia Moral, zineiro e outras qualificações, Aldo Costas, que criou uma obra pesada não somente pelas cenas de violência da trama, mas também pela temática niilista e paradoxos que permeiam o livro.
“Em um conglomerado gigante de indústrias denominado Sat-Sugai, foram desenvolvidos produtos baseados em estudos sobre o genoma e a biogenética molecular – desenvolvidos a partir de estudos em cobaias clonadas – permitidas, e de acordo com as novas normas dos códigos e das leis da bioética – que regularizou o uso de humanos artificiais em experimentos científicos e comerciais. Esse novo produto deu início a uma corrida por tecnologia orgânica/bélica – com isso, outros gigantes da tecnologia também viram nesses produtos, um potencial econômico lucrativo. Contudo, uma guerra inesperada interrompeu toda essa corrida tecnológica/industrial – e o planeta foi devastado…”
A história por si só é interessante e cativante o suficiente para dar uma conferida, mas a influência dos discos “War And Pain” (1984), debut dos canadenses do Voivod que sacudiu a cena metal na época e “Sonic Mass” (2011), terceiro disco dos ingleses do Amebix, grupo seminal da cena crust/punk, tornou a obra mais interessante ainda.
Para quem ainda não teve contato com essas pedradas sonoras dessas duas importantes bandas que viriam a influenciar tantas outras bandas, vamos a um rápido contexto: “War And Pain” (1984) é um disco de thrash metal caótico, bruto, cru, com letras pós-apocalípticas de um mundo destruído pela guerra radioativa, fruto dos medos gerados pela Guerra Fria, período de tensão geopolítica mundial vivida por conta da relação entre Estados Unidos e a União Soviética. Viva-se o permanente medo de que o botão vermelho que dispararia mísseis nucleares fosse pressionado a qualquer momento e que a humanidade desaparecesse em questão de minutos.
“Sonic Mass” (2011), o último lançamento do trio Roy-Stig-Rob, foi lançado 24 anos depois do bombástico “Monolith” (1987) e apresentou um Amebix diferente do esperado, o que causou a decepção de parte dos fãs que esperavam um Monolith II. Também um disco pesado, mas sem o crust de outrora que dessa feita deu lugar a uma sonoridade mais sombria, truncada em alguns momentos, com trechos tribais, flertando com o sludge metal. As letras, mais introspectivas, abordavam questões pessoais como medos, esperanças, religião, conflitos, paradoxos e afins.
Li o livro duas vezes, cada uma tendo como trilha sonora um desses discos e achei que ambos se encaixaram muito bem com a leitura, apesar de serem discos antagônicos entre si: se a obra do Voivod, como o título deixa claro, embala as cenas de violência, o álbum do Amebix, encaixa com os momentos de introspeção e questionamentos.
“Sat-Sugai” foi feito na prancheta, de ponta a ponta (uma curiosidade: 80% foi feito com caneta esferográfica). São 350 páginas em preto, branco e cinza no formato 18 x 26 cm e capa cartonada com orelhas, com um acabamento muito bom. Um produto que vai agradar tanto quem gosta de quadrinhos, quanto das citadas bandas.
Lançado de forma independente com apoio dos selos Existe-Resiste e Nexus-6 Books e contando com a ajuda dos parceiros Atitude Consciente Records, Sub 100 Records, Banca do Japão e Banca Central, a obra, revisada por Simone Pesci, pode ser encomendada diretamente com o Aldo Costas pelo Instagram @aldocostas, Facebook Aldo Costas Sketch ou através do e-mail aldo00@uol.com.br