Crédito da foto: Gustavo Diakov
O Tokio Marine Hall, localizado no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, foi palco de um evento especial para os apaixonados por música de qualidade. Não era apenas um show, mas um grande festival que encantou até os fãs de indie rock mais exigentes. Sim, foi dia de Balaclava Festival, e o lineup foi um verdadeiro presente para quem se organizou para ser parte da festa. Afinal, não é sempre que temos no mesmo evento artistas como Paira, Raça, Ana Frango Elétrico, Nabihah Iqbal, BADBADNOTGOOD, Water From Your Eyes e Dinosaur Jr.
Do lado de fora, tudo estava tranquilo para quem chegou cedo, como eu. Lá dentro, a estrutura surpreendeu: espaçosa e bem planejada, garantindo conforto ao público e fácil acesso às áreas de bebidas, comidas, fumódromo, poltronas e ao merchandising dos artistas, que oferecia uma variedade de itens, como canecas, adesivos, chaveiros, vinis, camisetas e moletons. A diversidade e o cuidado na apresentação dos produtos realmente chamaram a atenção. Para quem tinha algum dinheiro disponível, foi uma ótima oportunidade para levar para casa lembranças deste dia especial.
Para assistir aos shows, um bom público se reuniu em frente ao “Palco Hall”, localizado bem na entrada principal, para acompanhar as primeiras atrações: Paira e Banda Raça, que abriram o festival com muita classe.
Paira e Raça: modernidade e amor para fãs dedicados.
Escalados para o palco secundário, os mineiros da banda Paira, que na verdade é um duo formado por André Pádua e Clara Borges, apresentaram seu som, uma fusão de pop eletrônico, indie pop e outras vertentes que deixo a critério de vocês, caros leitores. Infelizmente, consegui assistir apenas às duas últimas músicas do setlist, mas soaram muito competentes e corajosos, misturando camadas de drum’n’bass no estilo de Ramilson Maia e DJ Patife (naquela pegada dos anos 2000 da gravadora Trama), com o dream pop doce e aveludado. Uma sonoridade gostosa!
Em seguida, os paulistanos da Banda Raça trouxeram seu indie refinado para fãs já afiados, que cantaram desde clássicos como “Quente”, do álbum Saúde (2019), até as canções recém-lançadas de “27”, o quarto álbum de estúdio. O destaque foi para “144”, mostrando que o público já decorou a letra de cabo a rabo. O show contou com algumas participações especiais, sendo a principal delas Gal Go, músico argentino que também é saxofonista do inglês King Krule.
Dentro das limitações de estrutura, as duas primeiras atrações abriram o festival, que já é um evento consolidado no calendário musical do país, com muito carisma e dedicação. No entanto, se o palco fosse mais alto e a acústica mais apropriada, talvez a experiência fosse mais intensa, sem o constante “passa-passa” de pessoas, os ruídos de conversas paralelas e o aroma das comidas sendo preparadas ao lado, no bar principal do local. Foi bom? Foi, mas a logística pode melhorar!
Ana Frango Elétrico: sob luzes quentes, um show maduro e cheio de conexões
Abrindo o “Palco Balaclava”, a carioca Ana Frango Elétrico, que continua divulgando o excelente Me Chama de Gato que Eu Sou Sua, seu terceiro álbum, subiu ao palco para embalar os fãs e conquistar novos admiradores.
Acompanhada por um quinteto muito talentoso – com Vovô Bebê (guitarra), Pedro Fonte (bateria), Pedro Dantas (baixo), Pablo Carvalho (percussão) e Thomás Jagoda (teclado) – a artista trouxe uma sonoridade moderna que combina uma proposta jazzista com influências de indie, dance music e bossa nova. Uma bela mistura!
O setlist incluiu grandes sucessos como “Coisa Maluca”, “Dela”, “Insista em Mim” e “Mulher Homem Bicho”, além de versões apaixonantes de “Debaixo do Pano” (Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo), “Dr. Sabe Tudo” (Rubinho Jacobina) e o medley “Não Tem Nada Não” (Marcos Valle) / “Gypsy Woman” (Crystal Waters).
No palco, sob luzes quentes e em meio a penumbras, Ana Frango Elétrico entregou uma performance vibrante, correndo de um lado ao outro e interagindo intensamente com o público, que a desejava por completo. Ela foi, e continua sendo, essa força elétrica e multifacetada: Ana mulher, Ana artista!
Nabihah Iqbal: britânica estreia no Brasil com show climático
A multi-instrumentista britânica de ascendência paquistanesa desembarcou no Brasil para duas apresentações: Balaclava Fest e Sesc Carmo.
Uma novidade para muitos, até para os mais antenados, Nabihah Iqbal entregou um show atmosférico, navegando por vertentes como post-punk, psicodelia, dark wave e dream pop eletrônico.
Além de musicista, Nabihah é produtora e apresentadora da BBC e no Balaclava Fest, ela se apresentou no palco Hall, mas as conversas paralelas – também – dificultaram a imersão proposta pela artista para o público interessado.
O setlist destacou faixas do álbum “Dreamer”, lançado em 2023, além de uma versão de “A Forest”, clássico do The Cure. Para quem conseguiu se concentrar, foi uma belíssima viagem!
Nabihah, volte mais vezes. Estaremos mais preparados para viver essa imersão do jeito certo!
BADBADNOTGOOD: Sensação mundial entrega um show de alto nível
O público do Balaclava Fest já tem como tradição prestigiar todas as atrações, independentemente de quão emergentes sejam. No entanto, era evidente que a maioria dos presentes aguardava ansiosamente por duas apresentações: Dinosaur Jr. e, claro, os canadenses de Ontário, BADBADNOTGOOD.
Enquanto o palco era preparado, fomos presenteados pela icônica música “Incompatibilidade de Gênios”, do genial João Bosco, que ecoava pelo sistema de som da casa. Então, pontualmente às 19h30, a banda subiu ao palco, para delírio imediato da plateia.
Consolidados mundialmente, o BADBADNOTGOOD transita com maestria por diversos elementos da música negra, principalmente jazz, afrobeat e hip-hop. Assistir a esses caras ao vivo é uma experiência única. A precisão e a intensidade da apresentação criaram um espetáculo quase hipnótico, deixando a plateia completamente absorvida. Simplesmente incrível! Não é à toa que até Arthur Verocai os aprova.
O setlist contou com nove músicas, com grande destaque para faixas do álbum “Mid Spiral”, lançado neste ano. Outro ponto alto foi a estética das projeções de base analógica, exibidas no telão, que adicionaram uma camada imersiva ao show. Esse trabalho impecável da equipe visual proporcionou uma experiência ainda mais rica.
Embora o show tenha sido excelente do início ao fim, momentos como a sequência de “Confessions” e “Lavender” brilharam como os trechos mais emocionantes da noite. Além disso, as interpretações de “Cascavel” (Antônio Adolfo) e a homenagem ao lendário MF DOOM com “The Chocolate Conquistadors” (Johnny “Hammond” Smith) foram demonstrações de pura genialidade.
Foi um privilégio testemunhar e viver essa experiência com o BADBADNOTGOOD. Em sua terceira passagem pelo Brasil, fica evidente o quanto a banda está cada vez mais à vontade – quase como se fizesse parte de nossa própria escola musical.
Water from Your Eyes: O duo de Chicago e seu rock sem rótulos
Como aquecimento para o tão aguardado show do Dinosaur Jr., o Water from Your Eyes trouxe seu experimentalismo cheio de camadas ao “Palco Hall”. O duo americano, formado por Nate Amos e Rachel Brown, atraiu um público considerável, disposto a mergulhar na proposta sonora única da banda.
Mesmo sendo um espaço de transição entre os palcos, além de área de fumantes e lounge, a performance do grupo conseguiu superar as distrações e conversas paralelas, firmando-se como um dos grandes momentos da noite – em uma noite repleta de ótimos shows.
Definir a sonoridade do Water from Your Eyes é uma tarefa complicada, mas arrisco dizer que se trata de um indie pop experimental de alta qualidade, temperado com influências punk e uma pegada eletrônica. Uma mistura moderna e na medida certa!
O setlist focou nas faixas dos dois últimos álbuns: “Structure” (2021) e “Everyone’s Crushed” (2023). Este último marca a estreia da banda na icônica Matador Records e consolida sua ascensão para um novo patamar no cenário musical.
Entre os destaques do show, estão as canções “Adeleine”, “Barley” e “True Life”, com esta última capturando de forma mais intensa a essência “punk torta” mencionada anteriormente.
Foi uma estreia marcante do duo de Chicago. Espero ter a oportunidade de vê-los novamente em breve – e que esse reencontro não demore!
Dinosaur Jr.: encontro de gerações em um dos melhores shows do ano
Enquanto o público se acomodava ao som de “Loving You Is Sweeter Than Ever”, do The Band, o Dinosaur Jr. subiu ao palco pontualmente às 21h30. Abrindo a noite com a explosiva “The Lung”, o trio de Massachusetts mostrou desde o início que estava pronto para entregar uma performance marcante.
Formada por J Mascis (guitarra e voz), Lou Barlow (baixo) e Murph (bateria), a banda desembarcou direto de Buenos Aires, onde havia tocado na noite anterior. Apesar do cansaço e de “não dormir direito por dois dias”, como confessou Barlow, o grupo estava determinado a recompensar os fãs que lotaram o Tokio Marine Hall em plena noite de domingo.
A atmosfera estava em chamas. Jovens adolescentes dividiam espaço com quarentões e cinquentões, que cantavam cada verso, formavam rodas de mosh e erguiam os braços em êxtase. Ficou evidente que o Dinosaur Jr. vai muito além da nostalgia dos anos 90. Sua música segue tão relevante que consegue conquistar novas gerações, mantendo o mesmo vigor que os consagrou no cenário do rock alternativo.
No palco, J Mascis dominava a cena, extraindo da guitarra distorções poderosas e longas, enquanto Lou Barlow e Murph formavam uma base sólida e mesmo exaustos, os três músicos entregaram um show de 1h30 que passeou por todas as fases da banda. O icônico álbum “You’re Living All Over Me” (1987) foi o mais celebrado, com seis faixas no setlist.
Momentos marcantes não faltaram. De clássicos como “Been There All the Time”, “Kracked”, “Sludgefeast” e “Little Fury Things” – tocadas em sequência – aos hits “Out There”, “Feel The Pain” e “Start Choppin”. O cover de “Just Like Heaven”, do The Cure, arrancou aplausos calorosos, e o bis com “The Wagon” trouxe lágrimas e sorrisos, encerrando a noite com chave de ouro.
Mais do que um show, foi um evento que reafirmou a força do Dinosaur Jr. e consolidou o festival organizado pela Balaclava como uma referência no calendário musical do Brasil. Com criatividade e coragem, o evento já provou ser uma realidade – e certamente tem potencial para crescer ainda mais. Que venham as próximas edições!