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Com a cara e a coragem, o 1º dia de Oxigênio Festival tem imprevistos, line-up reduzido e um Hot Water Music inspirado

Com a cara e a coragem, o 1º dia de Oxigênio Festival tem imprevistos, line-up reduzido e um Hot Water Music inspirado

7 de agosto de 2024


Crédito das fotos: André Santos/Headbangers News

Na manhã de sábado, 3 de agosto de 2024, o céu estava azul e o sol de inverno oscilava entre 26 e 28 graus, criando um cenário perfeito para os fãs de hardcore viverem mais um dia inesquecível. No entanto, o roteiro planejado há meses precisou ser alterado. O evento, que inicialmente seria realizado no Campo de Marte, teve que ser transferido de local e, para complicar ainda mais, foi decidido em cima da hora!

O comunicado sobre a mudança foi feito perto do meio-dia, uma hora antes da primeira atração, Karaokillers, subir ao palco. De acordo com um funcionário do evento, que preferiu não se identificar, o motivo da mudança não era suficientemente claro para todos os envolvidos, mas estava relacionado a questões judiciais. Ele relatou que, na noite anterior (2 de agosto), saiu do local original por volta das 23h e tudo parecia em ordem, com a expectativa de realizar mais um festival incrível. No entanto, ao retornar pela manhã, por volta das 10h, descobriu que o complexo no entorno do Campo de Marte estava isolado e nenhum carro tinha acesso ao local.

Ao investigar a situação, mesmo com contratos, documentações e assinaturas em mãos, ficou evidente que não seria possível realizar o evento conforme planejado.

Diante dessa situação inesperada, a equipe teve que agir rapidamente, cortando algumas atrações e realocando o evento para dois novos locais: o Cine Joia, na região central da Liberdade, e a Audio Club, no bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo.

Após essas mudanças, o festival, que estava previsto para começar às 13h15 no local original, foi reprogramado para às 15h no Cine Joia. Apesar dos problemas e das inúmeras alterações, mais atrasos não seriam surpresa, e a entrada acabou sendo liberada somente às 16h40.

Durante a espera, conversei com Thiago e Najla, um casal de Brasília que tinha ido até o Campo de Marte e acabou utilizando as vans do evento para chegar ao Cine Joia. Apesar dos imprevistos, eles não sentiram tanto o impacto das mudanças. Hospedados na região da Bela Vista, terão uma volta fácil para o hotel, claro, após assistirem ao show do Hot Water Music.

Curiosos para ver como o festival se desenrolaria com apenas um palco, assistimos ao Backdrop Falls como a primeira atração em um Cine Joia ainda vazio. A banda entregou um setlist honesto, que incluiu músicas do álbum “There’s No Such Place as Home” (2019), o novo single “Bury You Down”, além de covers de Bad Religion e Misfits.

Enquanto a produção preparava tudo para a apresentação da banda Horney, aproveitei para explorar as bancas de merchandising oficial, que ofereciam canecas, adesivos, meias, pôsteres, camisetas, moletons e outros itens. A camiseta custava 140 reais, enquanto o item mais barato, o adesivo, custava 30 reais. Além disso, havia bancas individuais de algumas bandas, como Backdrop Falls e Hateen, e uma ação da Instax, que fazia fotos instantâneas dos participantes. Para comer, havia também o stand do Chico Brownie.

Às 17h42, os catarinenses da banda Horney subiram ao palco e agradeceram a todos os presentes, que, mesmo enfrentando diversos contratempos, compareceram ao novo local para prestigiar o festival.

A performance, apesar de alguns problemas de microfonia, foi bastante agradável. Todos os integrantes (exceto o baterista, que estava escondido no ponto mais escuro do palco e não pude ver) estavam vestidos com peças quadriculadas, com um estilo meio grunge, e deram o seu melhor. O show foi curto e se encerrou às 18h05, servindo como um ótimo cartão de visitas para quem, como eu, ainda não conhecia a banda.
Enquanto a equipe preparava o palco para a próxima atração, decidi dar uma volta e visitar o bar da casa. No cardápio, havia muitas opções de bebidas e combos, mas, para minha surpresa, nada de comida. Não havia porções, lanches ou pratos disponíveis. Isso, para mim, foi um grande problema. Entendo que o evento foi organizado às pressas, que foi necessário mobilizar uma equipe para o local, que não estava previsto para aquele dia, incluindo seguranças e diversos funcionários. Mesmo assim, a falta de opções alimentícias é um ponto muito negativo, especialmente considerando que a configuração original oferecia opções para comer.

Às 18h22, a banda Aurora Rules, de post-hardcore, subiu ao palco e iniciou uma abertura instrumental pesada, incentivando todos a bater cabeça. O repertório incluiu músicas do álbum “Sombra do Presente” (2009) e algumas faixas mais recentes. Em “Ao Medo o Passado”, a última faixa do setlist, o vocalista convidou uma fã a subir no palco, proporcionando um momento bem legal!

Às 19h05, foi a vez da renomada banda santista Bayside Kings, que abriu com a avassaladora “A Consequência Da Verdade”. Finalmente tivemos o primeiro mosh-pit da noite, com direito a boias, bolas coloridas e canudos de natação, tornando o evento uma verdadeira festa.

Antes de tocar a faixa “Desobedecer”, o vocalista Milton fez um discurso marcante, ressaltando que o hardcore punk é um espaço inclusivo para todos, independentemente de orientação sexual, gênero ou cor. Ele também enfatizou o caráter político do punk, deixando claro que aqueles que não compartilham dessa filosofia não são bem-vindos no show. Foi uma declaração forte e necessária! Durante a música “Miragem”, o coro foi liderado pelo público, com o microfone sendo passado para os presentes na beira do palco, permitindo que eles participassem ativamente da performance.

A potência da banda foi realmente impressionante, e a combinação de um discurso consciente com a interação envolvente com o público mereceu elogios. No entanto, perto do final, o som começou a ficar um pouco embolado e excessivamente alto. Após essa percepção, o show se encerrou às 19h37.

Após uma pausa de 15 minutos para preparar o palco, a primeira atração internacional da noite deu as caras: Chris Cresswell, vocalista e guitarrista do The Flatliners e, desde 2017, também integrante do Hot Water Music, onde atua nas mesmas funções. Ele apresentou um repertório que mesclou seus discos solos e as músicas da sua banda principal, tudo no formato voz e violão.

O show começou às 19h54. Como é típico em apresentações intimistas como essa, havia uma sensação de proximidade com o artista, criando um ambiente familiar. No entanto, a conversa paralela e a distração do público foram notáveis. É um aspecto frustrante, mas, como tudo na democracia, faz parte da convivência.

O show terminou às 20h22 de forma tranquila e acolhedora. Ao meu lado, o comentário seguinte foi: “Ver o Chris sozinho é como transar de roupa. O que eu realmente queria era ver The Flatliners!” Bem, isso acontece.

Devido ao caos que precedeu a abertura do festival e os atrasos na organização do novo local, os intervalos foram mais curtos. Assim, às 20h40, a banda Dominatrix, uma referência do movimento Riot Grrrl no Brasil, entrou no palco.

Formada pela vocalista Elisa Gargiulo, membro fundadora desde 1995, a banda apresentou um show “cru” com um início de som um pouco abafado e a voz distante. Mas porém, o áudio foi ajustado e o show fluiu com força, dentro das limitações sonoras do Cine Joia, que às vezes deixa a desejar dependendo do tipo de apresentação.

Durante o show, a banda revisitou suas principais músicas e, em certo momento, questionou se o público estava cansado por estar parado. Apesar do tom descontraído, a observação refletiu uma verdade. Às 21h12, a Dominatrix encerrou sua apresentação com dedicação e sem maiores problemas. Foi um bom show!

Às 21h34, Rodrigo Koala tomou o palco do Oxigênio. Ele iniciou sua apresentação com “Quem Já Perdeu Um Sonho Aqui?”, um clássico do álbum “Procedimentos de Emergência” de 2006.

O setlist incluiu os maiores sucessos da banda, agradando especialmente os fãs mais antigos, conhecidos como 30+, que cantaram afinadíssimos “Passa o Tempo”, muitos com lágrimas nos olhos, revivendo os tempos áureos do emocore brasileiro.

“1997”, o maior sucesso comercial da banda, provou que ainda encanta o público e teve um coro emocionante do início ao fim. “Obrigado Tempestade” encerrou o show com a entrega característica da banda. Koala, visivelmente emocionado, agradeceu a todos que contribuíram para a realização do evento e fez uma homenagem às bandas que não puderam se apresentar no sábado, mas estiveram na programação de domingo.

Às 22h40, finalmente, todos os sobreviventes que enfrentaram inúmeros contratempos puderam, enfim, se render ao brilhantismo do Hot Water Music e ao rouco, inquieto e genial Chuck Ragan. Posicionado no lado esquerdo do palco, Chuck era exatamente o que eu imaginava: mais do que um frontman de mente zen, ele se revelava uma entidade com brilho próprio. Sensacional!

Com o repertório passeando por quase todos os discos da carreira, a banda priorizou seis músicas do clássico álbum “Caution” (2002). Foi com “Remedy”, uma faixa desse disco, que os americanos marcaram seu território, prometendo um show inesquecível.

Na sequência, fomos agraciados por sermos um dos primeiros públicos do mundo a ouvir ao vivo a recente “Menace”, do novíssimo “Vows”, lançado em maio deste ano. A música soou muito bonita!

Dividindo os vocais entre Chuck Ragan e Chris Cresswell, a banda revisitou 2001 para destacar o álbum “A Flight and a Crash”, com a faixa-título. Em seguida, “At the End of a Gun”, “Turn the Dial” e a apaixonante “After The Impossible” (que, na gravação original do álbum mais recente, conta com a participação da banda City and Colour) elevaram ainda mais a energia no Cine Joia.

O setlist seguiu com as belíssimas “The Sense”, “Burn Forever” e “Rooftops”, com um incrível dueto dos frontmans, criando uma vibe característica da banda que levou o público ao auge das emoções.

Chris Cresswell, vestindo uma camiseta do clássico álbum Marquee Moon da banda Television, caprichou nas palhetadas ao trazer os primeiros acordes de “Sweet Disasters”, outra faixa do aclamado “Caution”.

“Alachua” e “Turnstile” trouxeram uma dobradinha nostálgica que fez a alegria dos fãs mais old school, que entoaram cada palavra com entusiasmo. “Keep It Together” e “I Was On a Mountain” prepararam o palco para um dos momentos mais aguardados da noite: “Drag My Body”, uma das músicas mais marcantes da discografia da banda. Antes dessa faixa, Chuck falou sobre depressão, mencionando um quarto escuro onde você pode estar, mas não deve se permitir permanecer, e como a música pode ser uma forma de salvação. Foi um momento verdadeiramente inspirador!

Durante “Drag My Body”, eu poderia tentar descrever o clima, a estética, o calor e a euforia, mas nada que eu diga aqui traduzirá a magia do momento. No entanto, como um teimoso que sou, vou resumir em uma palavra: “SENSACIONAL!”

Antes da pausa “surpresa” para o retorno do bis, a banda destacou músicas dos álbuns Fuel for the Hate Game (1997), Feel the Void (2022) e No Division (2007), com “Freightliner”, “Killing Time” e “It’s Hard to Know”, respectivamente.

Após o bis, o quarteto da Flórida retornou para as duas saideiras: “Wayfarer” e “Trusty Chords”, com todos cantando e celebrando a vida juntos. À meia-noite, as luzes se apagaram para o final dessa primeira noite do Festival Oxigênio, no Cine Joia.

O dia começou com a expectativa de viver um dia de punk/hardcore/emo ao céu aberto, com uma experiência planejada há meses. Contudo, o destino decidiu que tudo seria mudado e espremido em duas casas menores, tudo organizado de última hora. Mas, graças à compreensão do público e à perseverança dos organizadores, a história aconteceu. E foi especial poder relatar tudo isso para vocês.

Se o movimento é forte, é graças a cicatrizes como essas que tornam a trajetória com a nossa cara!

Parabéns a todos por não desistirem! Espero que todos tenham se divertido e voltado para casa em segurança!

Galeria do show