Carlos Pupo/Headbangers News
O Ratos de Porão está completando 40 anos de existência em 2021 e nesse período a banda tem trafegado bem entre o Punk e o Metal. Nesse período, várias foram as formações, mas em todas elas esteve presente o guitarrista Jão, o cara que fundou a banda e tem se esforçado para deixar um legado espetacular. Batemos um papo com ele e os assuntos foram variados: as quatro décadas de atividade, o (des)governo de Jair Bolsonaro, o disco novo que tem título, mas não nos foi revelado e os shows tocando os primeiros cinco álbuns na íntegra. Demonstrando uma humildade ímpar e um senso impressionante de classe social, o guitarrista deste quarteto matador falou ao site Headbangers News.
Jão, 40 anos se passaram, muita coisa aconteceu no Ratos de Porão. Você consegue fazer um balanço desse tempo todo com a banda?
Pois é, 40 anos é um bom tempo. É difícil a gente fazer um balanço porque tivemos várias fases distintas, mas o fato de ter uma banda que veio do movimento punk paulista da primeira geração e conseguir se manter durante os 40 anos na atividade. O Ratos viveu esses 40 anos de forma interrupta. Eu fiz bons amigos, conheci muitos lugares legais, gravei vários discos, fiz vários shows. Tenho que estar feliz por estar tocando durante todo esse tempo e para existir por 40 anos é porque a gente tem que gostar muito do que faz e acreditar no nosso trabalho também.
A banda vai retornar aos palcos em grande estilo, onde irá tocar os cinco álbuns na íntegra, em cinco datas diferentes. Como está a ansiedade por esse retorno?
É lógico que esse retorno causa ansiedade. Eu nunca tinha ficado dois anos sem fazer um show desde que eu comecei a tocar. É uma ansiedade boa, pois nesses tempos obscuros que estamos vivendo, poder voltar a fazer aquilo que você gosta. A gente tem que seguir em frente e ficar feliz com esse retorno. Os shows vão rolar na casa onde eu sou sócio e eu estou muito feliz por isso.
O Ratos finalmente está em estúdio para gravar o novo álbum e recentemente João Gordo disse que será um álbum maduro e bem metal. O que podemos esperar desse lançamento?
A gente tá contente com o resultado, é um disco maduro, legal. Tem uma pegada Metal forte, apesar de umas músicas hardcore, aquela pegada crossover. É um disco que se aproxima mais de coisas mais antigas do que as coisas mais recentes do Ratos. O cara que é fã da fase antiga da banda, vai curtir.
Estamos nos encaminhando para oito anos sem um full-lenght do Ratos de Porão. Existe alguma razão para tamanho hiato?
Então, esse hiato se deu porque estávamos todos em nossas correrias da vida e sem tempo para compor. A gente não conseguia parar para compor e precisou uma pandemia para paramos em casa e escrever. Eu fiz algumas bases, alguns riffs em casa, passei 2020 trancado em casa e pelo menos isso foi útil. Estou muito feliz de fazer um disco novo.
Você e o Juninho foram responsáveis pela pré-produção e passaram as músicas para o Gordo fazer as letras em cima delas. Como foi esse processo?
De certa forma eu e o Juninho fomos responsáveis pela pré-produção. Até porque eu tinha uns riffs e umas bases, aí eu mandei no nosso grupo, toscamente. Daí o Juninho falou que poderia colar aqui em casa para reorganizar essas bases e desenvolver as músicas. Aí ele começou a vir aqui. Foi um trabalho que fluiu rápido, foi bem positivo, então a gente conseguiu pegar esses meus riffs e bases e transformar em música. Pegamos coisas também que haviam sido compostas em ensaios do Ratos em 2018 e 2017, que estavam no limbo e o Juninho havia salvo no computador dele. Então quer dizer, a gente conseguiu fazer essa organização. Foi um processo diferente de estar todos juntos opinando nas músicas. A gente fez um esqueleto e foi adaptando. Então o Juninho viajou para Santos e passou aquilo que a gente tinha feito para o Boka, depois fizemos um ensaio, gravamos uma demo, cada um foi escutar a sua parte e depois voltamos para gravar. Eu acho que rendeu, foi um processo diferente daquele que estávamos acostumados, mas foi positivo, rendeu bem.
Carlos Pupo/Headbangers News
O álbum vindouro já tem título e data prevista para lançamento?
O novo álbum já tem sim um título definido e a gente não está divulgando. Vamos mixar e masterizar o álbum em janeiro e a partir daí, os planos é de lançar ainda no primeiro semestre. Com exceção do vinil, devido a escassez de fábricas de discos e vinil nesse país e nesse formato o lançamento vai demorar, mas iremos lançar nas plataformas digitais. O mais rápido possível.
O Ratos de Porão é certamente a banda mais politizada do Brasil e certamente vamos ter letras tratando das mazelas do governo Bolsonaro. Tem algo nesse sentido que você possa adiantar?
O Ratos de Porão por ter vindo de onde veio, do movimento Punk, onde a contestação política e social sempre faz parte. Eu não sei se a gente é a banda mais politizada do Brasil, talvez sejamos a banda com uma voz que tem o maior alcance dentro desse segmento de bandas politizadas que tem de monte por aí. E não dá para não falar desse tempo que a gente tá vivendo, é uma época muito específica e essas mazelas do governo do ‘Bozo’ precisam ser faladas. Acaba se tornando temático porque é tanta indignação guardada ao longo dessa pandemia, que tinha de ser falada nesse sentido e a gente tinha de fazer isso, é o nosso trabalho.
Falando no ‘coiso’, sabemos que seu governo vai de mal a pior, mas ainda assim ele tem uma boa base de apoiadores fanáticos. Como você explica esse fenômeno?
Cara, essa época que a gente está vivendo é muito bizarra. Eu não sei como alguém pode se identificar com um verme filho da puta como o Bozo. Já passou da fase da ilusão, daquele papo do candidato que quer se eleger, que vai acabar com a corrupção… (risos) Vai acabar com a corrupção dos outros, vai ficar só com a corrupção dele rolando. É assim desde que eu me conheço por gente, não é só o pior presidente que eu vi, esse cara é o pior ser humano que eu tive o desprazer de ver e conhecer na vida pública. O cara é um verme nojento. Sei lá, tem muita gente que lucra apoiando esse bosta, mas que com certeza a classe menos favorecida no governo filho da puta feito esse aí que se fode e que passa os perrengues que a gente tá vendo aí no dia a dia do Brasil. O mapa da fome, a quantidade de crianças indo para a escola sem comida e desmaiando. A gente vive em tempos sombrios, porque é o ‘Bozo’ e toda essa corja em volta dele, esses ministros safados
Recentemente a Headbangers News publicou uma matéria explicando como as letras do Brasil são hoje mais atuais do que em 1989, quando foi lançado. Era uma premonição ou você acha que vivemos ciclos que vez por outra se repetem em nosso país?
As letras do Brasil seguem atuais não é porque somos as Mães Dinah da vida. É um país de bosta, que não muda, ainda são as capitanias hereditárias, igual a gente aprendeu em Estudos Sociais lá no 4° ano (N. do R: Jão se refere a uma matéria que era lecionada no ensino fundamental). Tem um pedaço do Sarney, um pedaço do outro ali, outro pedaço do Collor e vai dividindo, os tucanos (N. do R: aqui ele se refere ao PSDB, que por muito tempo dominou o poder no estado de São Paulo), as milícias cariocas. Em todos os cantos ainda têm seus “coroné”, é uma bosta, esse lugar não muda não. Enquanto ainda tiver pobre de direita apoiando bacana aí, essa merda ainda vai durar por algum tempo.
Eu tive a oportunidade de ver uma apresentação da banda tocando o Brasil na íntegra quando abriram para o Raimundos, em 2019 e pude perceber que a banda estava afiada ao vivo. Vocês mantiveram uma rotina de ensaios durante essa longo período afastados do palco?
Putz cara, até 2019 a gente estava em plena atividade, várias turnês e fazendo um monte de coisas. A gente pode não ter lançado um disco com músicas inéditas ao longo desses oito anos, mas estivemos em turnê pelo Brasil, mundo afora. Então, nós estávamos bem afiados, é lógico que nesse período, de 2020 e 2021, o que a gente menos fez na vida foi ensaiar. Eu fiquei tocando um violão em casa, guitarra e tal, mas a banda se juntar para ensaiar, em 2020, basicamente não aconteceu, só mesmo antes da pandemia, depois acabou tudo.
Carlos Pupo/Headbangers News
Olhando para trás, 40 anos é um período de respeito e toda trajetória é feita de altos e baixos. Existe algum arrependimento seu enquanto músico? Algo que você deixou de fazer neste período? Se a banda acabasse hoje, você poderia dizer qual valeu a pena ser músico de Rock em um país como o nosso?
Cara, eu posso te dizer que passei muito perrengue nesses 40 anos, de falta de grana e dificuldades, porque a gente passou muitos anos nos dedicando ali para a música do Ratos de Porão. É óbvio que eu faria muita coisa diferente hoje do que fiz na vida, mas ao mesmo tempo é aquilo, a vida é um aprendizado. Na época, pelas condições que eu tinha, eu acho que fiz o meu melhor. E valeu muito a pena, um músico de Rock no país do funk, do sertanejo ruim aí, de ter uma banda com um viés político, com uma música que não é comercial. Em primeiro lugar a gente tem que ser guerreiro, então eu olho a minha história no Rock e eu fico muito contente com os altos e baixos, com os erros e os acertos. Faz parte da nossa vida, seja qual profissão for e mais do que qualquer coisa. O Rock já tá na veia, a adrenalina de estar tocando por aí é sempre boa, eu sempre curti e enquanto eu tiver saúde e os caras quiserem, a gente vai seguir em frente. A gente gosta do que faz e gastou muito tempo de nossas vidas fazendo o que a gente faz. Eu passei muito mais tempo com os caras da banda do que com as minhas filhas. Eu viajei mais com os caras por aí do que com a minha família. Então é difícil fazer Rock aqui no Brasil, ainda mais um Rock anticomercial e para você sobreviver tem que ter uma paciência monstro e aquela pitada de teimosia.
Nós gostaríamos de agradecer pelas palavras e agora o espaço é para você falar com os nossos leitores fã do Ratos.
Para os fãs do Ratos espalhados pelo Brasil e mundo afora, o que a gente quer é voltar ano que vem, dar um rolê nas estradas, que a gente sempre fez e encontrar com vocês, tomar uma cerveja e fazer um som. Espero que role. E sempre agradecendo a todos que apoiam a banda, sem esse apoio não faria sentido nenhum a banda há 40 anos.