No cenário muitas vezes sombrio e controverso do black metal norueguês, uma nova banda está emergindo das sombras e capturando a atenção de fãs e críticos: Witch Club Satan. O nome da banda reflete sua missão intrépida: “Witch” representa a identidade das integrantes como bruxas, usando a música como um meio de criar uma comunidade unida, ou “Club“. “Satan” simboliza o rebelde, o eterno desafiador das injustiças. Esse espírito de rebeldia está presente tanto na sonoridade quanto nas letras das músicas, que abordam temas como feminismo, bruxaria e questões sociopolíticas.
Originária da cidade de Bergen, na Noruega, a banda Witch Club Satan emergiu como uma força primordial, canalizando a raiva feminina e o ocultismo em suas composições. Composta por Nikoline Spjelkavik (guitarra), Victoria Røising (baixo) e Johanna Holt-Kleive (bateria), o trio compartilhava o desejo em comum de romper com a apatia e buscar uma forma de expressão radical. As influências teatrais e literárias de suas formações ajudaram a moldar a identidade única da banda.
Nikoline, Victoria e Johanna, cada uma com suas próprias histórias e relações com a música, decidiram aprender a tocar instrumentos. Apesar de sua inexperiência inicial como musicista, a banda rapidamente ganhou notoriedade após suas primeiras apresentações, sendo destacada em publicações das NME, Rolling Stone e Metal Hammer.
Embora a banda seja relativamente nova, elas conseguiram adquirir um público dedicado. O álbum de estreia autointitulado foi produzido por Vetle Junker (Aurora, Sondre Lerche) e Sindre Nicolaisen, co-produzido por Anders Odden (ex-guitarrista do Satyricon/Celtic Frost), e possui 12 composições que contribuem para a narrativa coesa do disco. A combinação de música visceral e teatralidade intensa cria uma experiência auditiva que é ao mesmo tempo perturbadora e catártica.
Conversamos com exclusividade com a baixista Victoria Røising, que compartilhou suas percepções sobre a importância histórica do Black Metal norueguês, a identidade sonora e estética do Witch Club Satan e seu álbum de estreia autointitulado, lançado em marco de 2024. Confira:
O Black Metal surgiu como uma reação ao metal tradicional e como uma forma de expressão mais extrema e sombria. Na Noruega, bandas pioneiras como Mayhem, Darkthrone e Emperor foram fundamentais na formação do estilo, tanto musicalmente quanto na construção de uma identidade visual, com pintura de cadáveres e apresentações ao vivo provocantes. Como você vê essa evolução e a importância histórica do Black Metal norueguês no cenário global do metal?
Victoria Røising: O “verdadeiro Black Metal norueguês” tem um significado para muitas pessoas na comunidade do black metal. Para nós, o black metal que foi feito na Noruega nos anos 80 foi uma grande inspiração musical. As raízes do punk são tão óbvias na maneira rebelde de tocar, e essa energia bruta é o que achamos tão atraente no Black Metal. Para nós, trazer o punk de volta ao metal tem sido importante. Isso significa fazer um som brutal e cru, mas também trazer declarações políticas intransigentes para o nosso projeto. O Black Metal tem sido, para alguns, um projeto “antipolítico”. Não acreditamos que isso seja possível, pois ter sua voz amplificada é, por si só, um ato poderoso e político. Infelizmente, esse poder foi mal utilizado ao longo da história do Black Metal, e não estamos satisfeitos com a maneira como isso foi tratado. Por isso, sentimos a responsabilidade de sermos muito claros quanto ao fato de sermos uma banda política. Uma banda feminista, antifacista e antirrasista que acredita na humanidade, na igualdade e nos poderes mágicos da música.
O movimento também foi marcado por controvérsias, incluindo crimes graves, declarações extremistas e ligações com ideologias nazistas, trazendo uma notoriedade perturbadora ao gênero. Muitas bandas optam por não se posicionar sobre o assunto, mesmo quando são acusadas de simpatizar com ideologias nazistas. Como você lida com essas questões e se posicionam contra esses problemas dentro do gênero?
Victoria: Acreditamos que a comunidade do Black Metal é uma comunidade aberta e generosa, e lamentamos e ficamos furiosos com o fato de alguns poucos artistas e fãs terem expressado e agido de acordo com essas ideologias horríveis e perigosas. A única coisa que podemos fazer é nos manifestar contra isso, usando nossa raiva como um impulso para a mudança.
E como surgiu a ideia do nome da banda?
Victoria: Somos bruxas e nosso projeto é usar nossa música como porta de entrada para criar uma comunidade – um clube. Acreditamos muito no poder da união. Satanás simboliza o rebelde, pois também pretendemos nunca parar de nos rebelar contra a injustiça.
Você acredita que a incorporação de temas feministas e de bruxaria no black metal pode desafiar e transformar a percepção do gênero? Como isso tem sido recebido pelo público?
Victoria: Para que o Black Metal avance e, no final, sobreviva como um gênero, ele precisa falar com novos públicos. Os pioneiros deste gênero estão ficando cada vez mais velhos, e não podemos deixar que essa força energética se extinga com eles. A voz do Black Metal deve ser a voz de nosso tempo. E vivemos em uma época em que precisamos elevar nossas vozes. Nosso público é uma multidão de pessoas de todas as idades, gêneros e origens. O cenário do Black Metal deve buscar a diversidade, pois vozes diferentes abrem o gênero para pessoas diferentes.
E o que levou a escolha pelo Black Metal como o estilo musical para expressar sua arte e suas mensagens?
Victoria: Não houve dúvida. O Black Metal é a única música que contém a energia que precisamos expressar.
Vocês descrevem sua música como feitiços. Como essa abordagem mágica e ritualística se traduz na composição e no desempenho das músicas?
Victoria: Para nós, a música é mágica. É transformadora, tanto para quem está ouvindo quanto para a ação de executá-la. Mesmo que nos vistamos com fantasias e maquiagem, não é para nos escondermos, mas para acolher uma parte de nós – a bruxa. Da mesma forma, queremos que nossos concertos sejam um convite para que nosso público dê as boas-vindas às suas bruxas interiores.
Como tem sido a recepção do público e da crítica desde o lançamento do álbum? E como você vê o aumento da atenção/interesse da mídia e do públicos de outros países pela sua música?
Victoria: Estamos impressionados com as críticas e a resposta que o álbum recebeu. Sentimo-nos muito honrados pelo fato de a música significar algo para tantas pessoas além de nós, e conhecer nossos colegas bruxos em shows é a coisa mais significativa do Witch Club Satan. Estamos ansiosos para abrir nossas asas e fazer uma turnê pela Europa no próximo outono.
O álbum foi produzido por uma equipe diversificada, incluindo produtores de pop/jazz e metal. Como essa diversidade influenciou o som final do álbum?
Victoria: Nós mesmos escrevemos todas as nossas músicas e, tendo uma direção clara em relação às canções e ao nosso som ao vivo (um dos produtores, Sindre Nicolaisen, também é nosso técnico de som), sentimos que todos nós – banda e produtores – poderíamos nos concentrar em refinar a expressão que já estava bem explícita. A semana que passamos juntos no estúdio, morando em um chalé no interior da Noruega, foi um momento mágico em que todos nós usamos a magia, a energia e a competência para deixar a música se desenvolver.
Quais são os desafios e as vantagens de ser uma banda só de mulheres em um gênero que ainda é majoritariamente masculino?
Victoria: Ser uma banda só de mulheres em um gênero dominado por homens é, por si só, um ato de feminismo. Fazer uma declaração apenas pelo fato de existir torna a presença da nossa banda significativa. Na maioria das vezes, nos sentimos bem-vindas e desejadas no cenário do black metal – as pessoas nos veem como algo novo, e algumas ansiavam por uma revolução nesse cenário.
Suas apresentações são conhecidas por seus elementos teatrais e ritualísticos. Você poderia explicar como desenvolve esses aspectos de seus shows ao vivo e que emoções ou reações espera evocar no público?
Victoria: Como artistas que vêm de outras disciplinas (teatro e escrita) além da música, é natural que desenvolvamos todos os aspectos da experiência ao vivo de forma paralela. Todo o universo com visuais, figurinos, cenografia, pintura de cadáveres e o cheiro de ervas criam uma atmosfera que é simbiótica com a música brutal. Dentro de tudo isso, nos sentimos conectados a um tipo de magia, uma espiritualidade que surge da transação de energia com o público.
O álbum foi lançado em vinil com uma tiragem limitada que se esgotou rapidamente. O que levou a essa escolha de formato e como vocês planejam abordar futuros lançamentos físicos?
Victoria: Queríamos tornar o vinil especial, com fotos e todas as letras, que são muito importantes para nós. A primeira tiragem foi muito exclusiva e vendida apenas em nossos shows. Em breve, faremos uma segunda tiragem com novos e outros detalhes e, dessa vez, será possível comprá-la on-line em qualquer lugar do mundo.
A perseguição às bruxas foi um fenômeno histórico muito difundido em toda a Europa, inclusive na Noruega. Esse período sombrio foi caracterizado por uma crença generalizada na bruxaria como “intervenção demoníaca”, levando as autoridades civis e religiosas a conduzir uma caçada implacável às bruxas, resultando em julgamentos, torturas e execuções em massa. Como o contexto histórico dos julgamentos de bruxas na Noruega influenciou o conceito da banda? Você vê algum paralelo entre a perseguição às bruxas e as questões contemporâneas?
Victoria: As histórias dos julgamentos de bruxas na Europa e na Noruega, especialmente na parte norte da Noruega, são histórias de opressão extrema e sistemática. Essas mulheres (em sua maioria) eram reais, e essa história ainda está próxima. Tentamos fazer com que nossos ancestrais cantem por meio de nossa música. Queremos que suas histórias sejam contadas. Nosso grito é o grito dos oprimidos e dos que não são ouvidos.
Como vocês esperam que a música e a mensagem do Witch Club Satan causem impacto no mundo do black metal e além, e quais são seus planos futuros para manter e expandir esse legado?
Victoria: Criamos o Witch Club Satan como o alarme de que nós e nossa sociedade precisamos. E precisamos nos manter fiéis ao desejo de gritar. Usar a raiva como uma força para lutar por mudanças. Devemos ousar ter esperança e acreditar na humanidade e em nosso futuro. E permanecer acordados.
Acompanhe Witch Club Satan:
Bandcamp: witchclubsatan.bandcamp.com/
Instagram: www.instagram.com/witchclubsatan/
Youtube: www.youtube.com/@witchclubsatan763