Entrevistas

Primordial Idol: ‘Vingue a verdade, plante a semente’

Primordial Idol: ‘Vingue a verdade, plante a semente’

17 de fevereiro de 2021


Quase duas décadas após o lançamento de seu álbum de estreia, a horda paulista Primordial Idol apresenta finalmente o seu novo trabalho, Solitude, um álbum primoroso em todos os aspectos. A chama do Black Metal do início da década de 90 continua viva e sob uma roupagem ainda mais ritualística e poética, já que desta feita as músicas foram concebidas na boa e velha língua pátria. Neste bate papo, o vocalista e guitarrista Lord Hertz nos fala mais sobre as mudanças, sua forma de compor, o passado, presente e o futuro, em um panorama de toda a trajetória da horda até aqui. Provoque a si mesmo na busca de novos horizontes.

Vinicius Mariano

Depois de 18 anos, o Primordial Idol está de volta com um novo álbum de estúdio, o excelente Solitude, um dos grandes discos do black metal nacional de 2019. Além de um trabalho gráfico primoroso, é notável a evolução da banda em todos os termos, principalmente na estrutura das músicas, conseguindo dar uma característica viva à aquele black metal que se originou no berço grego de Rotting Christ, Varathron, Thou Art Lord… Qual é o sentimento, enfim, de lançar um novo trabalho e o que você poderia dizer sobre esse tempo de intervalo entre um material e outro?

Lord Hertz: O sentimento é de completa satisfação. Solitude é a conclusão de uma longa jornada que começou logo após o lançamento do nosso primeiro CD, Rebellion War. As músicas surgiram durante as primeiras apresentações da banda no Underground Bar, nosso lar saudoso e de tantas outras bandas e irmãos. Nos anos 2000 era bem mais difícil manter uma banda ativa no Brasil. Deixamos o tempo passar pra maturar bem as ideias e as harmonias. E olhando agora para trás, eu sinto que esse intervalo abísmico foi fundamental para a conclusão e o resultado final desse trabalho.

Outro aspecto interessante de Solitude é que desta vez todas as músicas foram cantadas em português (com exceção de Rebellion War, que é do primeiro trabalho e aparece como bonus track). O que – se permite o comentário – deram uma característica ainda mais marcante às composições, se tornando verdadeiros ritos. Quando vocês perceberam que isso poderia funcionar melhor e passaram a trabalhar nas composições dessa forma?

Lord Hertz: Agradeço demais pelo comentário, Vinnie! Quando começamos a tocar nos shows, percebemos a importância da mensagem que estávamos passando. Queríamos buscar essa frequência em sintonia com as letras, e transmitir nossas reflexões. Eu sentia que a música podia ser mais e sempre fui fascinado por poesia e as velhas obras literárias de Fernando Pessoa e de tantos outros autores. Aconteceu tudo de uma vez e de uma hora para outra.
Escrever as letras em português parecia desafiador, mas com o passar dos anos percebemos que essa mudança era, na verdade, a espinha dorsal e essência primordial da banda.

Pessoalmente, eu gosto muito da sua forma de escrever e desse modo poético que você conseguiu dar a músicas como Uivo em Glória, Ancestrais e Serpente, para citar apenas alguns exemplos. O que lhe inspirou essas e as outras letras de Solitude?

Lord Hertz: Acredito que a inspiração principal foi a busca pela ancestralidade.

Para seguirmos em frente precisamos entender nossos antepassados e suas dualidades, e desmistificar todas as falsas idolatrias e preconceitos.

Existe esse hiato de 18 anos entre os álbuns. Mas Serpente e Aura Negra já são composições antigas da banda, lançadas em um EP de 2006, bem como o hino Uivo em Glória, que saiu no Split-EP Haeresis com o Pactum, em 2015. Presumo eu que o Solitude seja meio que uma forma de fechar um ciclo, um disco que vocês precisavam lançar para que a banda pudesse seguir em frente, encerrando este capítulo do passado. Seria mais ou menos isso?

Lord Hertz: Com certeza. Solitude encerra um ciclo de 25 anos: um quarto de século de vivências extraordinárias, com muitos amigos e velhos irmãos, que conhecemos nos palcos dessa vida surrada, dentro de um sistema que hoje a gente percebe que todos os dias se auto devora. E devora tudo aquilo que cada um tem de singular.

Outro aspecto interessante é que você sempre foi o cara que esteve frente a banda, que fez todas as músicas e, além de ser o guitarrista é o vocalista principal. Porém, para a gravação de Solitude, você decidiu que o Count Abigor, do Pactum, registraria as gravações. E logo após disso ele decidiu sair. O que o levou a tomar essa decisão?
Lord Hertz
: Count Abigor é um grande irmão e esteve com a gente por mais de 10 anos. Teve importância fundamental no desenvolvimento da banda e das músicas. Sua contribuição foi inestimável! O projeto desta gravação foi abraçado por todos os integrantes, desde a sua concepção até a última versão. Passamos por etapas bem difíceis com a instabilidade financeira e a falta de tempo. Hoje entendo que todos temos nossos motivos e razões, e a impermanência da vida age constantemente sobre nossos destinos.

Já faz mais de um ano que o disco foi lançado. O que isso proporcionou em termos de shows e de receptividade? Vocês conseguiram alcançar o resultado que esperavam?

Lord Hertz: Sim, acho que conseguimos alcançar o objetivo que havíamos traçado quando surgiu a ideia desse registro. Tivemos apoio de pessoas chave para a conclusão desse projeto, que durou mais de dois anos, entre fazer a curadoria das músicas e a edição final. Gostaria de destacar e agradecer infinitamente nosso velho irmão e produtor João Antunes (Nocturnal Warrior) pela maestria e eterna paciência, e ao Maurício Nogueira do Aquarela Estúdio. Não fizemos muitos shows, mas as oportunidades que surgiram foram incríveis e acabamos conhecendo lugares extraordinários como o Bar Phomet (N.R: bar underground localizado em Várzea Paulista), que hoje consideramos uma nova morada, igual àquela onde tudo tinha começado.

Como falamos, hoje a banda voltou a ser um quarteto, com você assumindo novamente os vocais. Surgiu algum material novo durante esse tempo? É um material que segue a mesma linha de raciocínio ou você sente que as coisas estão caminhando para um novo rumo?

Lord Hertz: Estamos trabalhando em novas composições, mas ainda não temos previsão para gravação. Sinto que agora estamos caminhando em uma nova estrada, trazendo na bagagem todas as sortes de experiências que pudemos viver dentro do underground brasileiro. A maturidade e o tempo nos fizeram olhar com profundidade para as nossas vivências e solitudes – e a importância das diferentes qualidades que cada um traz para a egrégora dessa alcatéia fúnebre.

Uma das novidades que temos não é exatamente um material novo. Idealizamos, em conjunto com várias bandas, a coletânea-manifesto Resistência Pagã, lançada em 2020 pela Nyarlatothep Records. Consiste de uma coletânea (Raízes Ancestrais) e de um manifesto (pela descolonização espiritual) onde nos posicionamos contra o extremismo conservador cristão que tem nos assolado. Foi um projeto de muito diálogo entre nós e as hordas Agnideva, Dark Paramount, Katari (Peru), Miasthenia, Morcrof, Ocultan, Profane Souls, Sangue Antigo, Vuduzebu e Vultos Vocíferos. Na coletânea, contribuímos com uma versão ao vivo (já com a nossa formação atual) de Ancestrais.


O Primordial Idol já percorreu boa parte do interior paulista, e pouco antes do lançamento de Solitude abriu os shows da banda polonesa Besatt e do seminal Enthroned. O que você pode dizer a respeito dessa experiência

Lord Hertz: Foi incrível! Pela primeira vez, senti que estávamos tocando com uma aparelhagem decente e eu não via a hora de chegar a nossa vez (risos). Tivemos muito pouco contato com o Enthroned e o Besatt, mas estávamos reunidos com as bandas de grandes e velhos irmãos Warshipper, Vulture e Speed Metal Hell, que participaram desse grande festival. Tivemos a presença de muitos amigos de longa data que transformaram esse dia em um grande encontro, que há muito tempo não se via acontecer.

A banda está por aí há 27 anos. O que você apontaria como a principal diferença da cena black metal daquela época para os dias de hoje, baseado na história de vocês?

Lord Hertz: Acho que a principal diferença é que hoje todo mundo pode ter acesso a tudo. Quando e onde quiser. Há 27 anos, pra conseguir um som novo a gente tinha que ir para a capital, na Galeria do Rock, ou então trocar fitas através de contatos pelos correios. Me lembro que, no começo, nossa maior dificuldade era ter um lugar para ensaiar. Os estúdios eram muito caros e os nossos pais não aguentavam mais escutar a gente tocando nas garagens, quintais e cozinhas de nossas casas (risos).

E quanto ao Rebellion War? Apesar de ser um material antigo, é um trabalho cult que teve um bom impacto na cena naquela época, mesmo lançado de forma completamente independente. Não seria uma boa hora para relança-lo?

Lord Hertz: Sim, você tem toda razão. Pretendemos relançar o Rebellion War assim que possível. Já tivemos algumas conversas com alguns irmãos que tem nos apoiado bastante. Acredito que em breve poderemos confirmar esse lançamento de forma oficial.

Outro aspecto interessante é que o logo do Primordial Idol foi criado pelo mago das caligrafias, Christophe Szpajdel (@christophe.szpajdel). Algo que seria natural nos dias de hoje, com a internet. Mas o contato com ele se deu há mais de 25 anos. Como foi isso?

Lord Hertz: Na verdade o nosso logo foi criado pelo Iconoclastal Demonium, um dos fundadores da banda. Mas, mas com o passar do tempo (depois de uns 20 anos talvez), sentimos que era necessária uma revitalização. Nesse momento contatamos o irmão Christophe Szpajdel, que prontamente nos atendeu, realizando esse trabalho formidável, digno de suprema admiração.

Sou muito fã do trabalho do Christophe e, pra mim, é uma honra imensa poder hoje levar no nosso nome sua assinatura.

Apesar do quadro atual comprometido por conta da pandemia do COVID-19, o que podemos esperar dos próximos passos do Primordial Idol? Teremos notícias de vocês em breve?

Lord Hertz: Sim, eu espero que sim (risos)! A pandemia trouxe limitações, mas nos fez olhar para dentro. Descobrimos muitas coisas guardadas nas memórias e prontas para serem retomadas e reinventadas. Percebemos que podemos criar individualmente e nos provocar na busca de novos horizontes.

Por final, como podemos fazer para adquirir o álbum e todo o material da banda?

Lord Hertz: O CD Solitude pode ser adquirido através do selo Voz da Morte (alexcarlos@gmail.com / carlosnecromancy@gmail.com). O site deles é o www.vdmorte.loja2.com.br.


Muito obrigado pela entrevista e parabéns pelo espetacular trabalho realizado em Solitude. Digno de todos os aplausos.

Lord Hertz: Obrigado, Vinnie! Agradeço pela oportunidade e a todos aqueles que nos ajudaram em nossas manifestações sob este estandarte que nos guia e nos orienta, com o raiar da estrela da manhã: vingue a verdade, plante a semente.

Ouça o álbum Solitude na íntegra no Spotify:

https://open.spotify.com/album/3Ti4M2wwFJHfVImSGs0OYM?si=RYNjaEtCR4K-mcZNfwGpag


DISCOGRAFIA:
Rebellion War (2001)
Aura Negra (EP / 2006)
Haeresis (Split-EP com o PACTUM / 2015)
Solitude (2019)

LINKS:
Bandcamp: https://primordialidol.bandcamp.com/

Reverbnation: https://www.reverbnation.com/primordialidol
Facebook: https://www.facebook.com/primordialidol