Andre Coelho Matos, ou simplesmente Andre Matos. Considerado por muitos como o mais importante personagem do Heavy Metal brasileiro, nos deixou há exatos 2 anos. Difícil acreditar que um cara com um talento incomum fosse embora tão cedo.
Maior representante do nicho erudito do Heavy Metal tupiniquim, Andre era vocalista, compositor, pianista, maestro e responsável direto pela inclusão de três nomes do Heavy Metal brasileiro entre os gigantes da cena mundial: Viper, Angra e Shaman, todas tendo ele como membro fundador. Na primeira, ingressou aos 13 anos de idade e mesmo se julgando não completamente capaz de fazer um bom trabalho, mostrou exatamente o contrário, tendo excelentes performances, sobretudo no seu derradeiro álbum, “Theatre of Fate”. Deixou a banda para se dedicar à faculdade, onde se formou bacharel em Regência Orquestral e composição musical.
Em 1990 ele conheceu Rafael Bittencourt e com ele teve a ideia de formar o Angra, banda que tinha como proposta unir o peso do Heavy Metal com música clássica e a genialidade da música brasileira, tornando assim, a banda com um estilo único, ao menos nos tempos em que ele esteve por lá. A essa altura, o Sepultura já havia aberto o caminho para os Brasileiros e mostrado ao mundo que abaixo da linha do Equador havia mais do que samba, futebol e bunda de fora.
Certamente foi no Angra a sua fase mais áurea. Gravou com a banda três excelentes discos: o aclamado “Angels Cry”, o riquíssimo “Holy Land” e o pesado “Fireworks”; fez turnês internacionais e se tornou um ícone em países como França, Japão e Itália. Notabilizou-se por sua incrível capacidade criativa, ganhando respeito de fãs, da imprensa especializada e dos colegas das demais bandas. Em 1999, abandona o Angra juntamente com o baixista Luis Mariutti e o baterista Ricardo Confessori e monta o supergrupo Shaman.
Com este novo grupo, veio o álbum que pode ser colocado juntamente com “Holy Land” como sento a grande obra de sua carreira, criando músicas dotadas de qualidades muito acima da média, combinando o Heavy Metal com vários estilos musicais, como a World Music, isso sem mexer com a exigência do fã mais radical, sempre à espera de som pesado somente. Estamos falando do álbum “Ritual”, onde faixas como “For Tomorrow”, “Over Your Head”, “Time Will Come” e “Pride”, por exemplo, demonstram toda essa versatilidade.
Não satisfeito, ainda com o disco de estreia, ele conseguiu um feito jamais igualado por nenhuma banda de Heavy Metal desta terra tropical: emplacou uma música em uma novela da Rede Globo. Sim, a emissora que sempre torceu o nariz para o estilo mais pesado da música e que em 1985, durante o Rock in Rio, apresentava os fãs como figuras bizarras, abria espaço para que uma canção pudesse fazer parte da trilha sonora de uma de suas telenovelas: obviamente que não era nenhuma música pesada ou rápida e sim a balada “Fairy Tale”, que figurou na novela O Beijo do Vampiro e ajudou a divulgar o nome da então nova banda, pelo menos para o grande público, nada familiarizado com o Heavy Metal. Essa foi sua grande façanha.
A curiosidade é que “Fairy Tale” era uma composição antiga de Andre, que havia sugerido que a faixa entrasse no álbum “Fireworks”, que foi negada. Azar o do Angra, que perdeu a oportunidade de ter uma música sendo veiculada no horário nobre da maior emissora de TV do país. E assim, o Shaman nasceu gigante e certamente o talento deste gênio contribuiu de maneira decisiva para tal êxito.
Antes do Shaman, ele montou um projeto com seu amigo de sempre, Sasha Paeth, denominado Virgo, onde apresentaram um Hard Rock que nada tinha a ver com que ambos tivessem feito até então. Um belo disco e infelizmente ficou só naquilo mesmo. Permaneceu com os parceiros Mariutti e Bittencourt até 2006 quando resolveu sair em carreira solo, onde lançou bons trabalhos, talvez sem a mesma relevância dos projetos anteriores, mas mantendo a mesma relevância no cenário e escrevendo seu legado de maneira ímpar, tendo o mérito de ter revelado para o mundo um então garoto, como ele era nos tempos de Viper: estamos falando do baterista Eloy Casagrande, hoje um monstro das baquetas e apontado por muitos como o maior baterista da atualidade, em nível mundial.
Carlos Pupo/Headbangers News
Andre Matos em seu último show da carreira, em 02 de Junho de 2019, uma semana antes de seu falecimento
Em 2012, ele retornou ao Viper e fez uma extensa turnê com seus amigos de infância. Turnê essa que rendeu um DVD e o ponto alto foi a apresentação no palco Sunset da edição de 2013 do Rock in Rio. Essa apresentação foi épica e merecia o Palco Mundo como testemunha. Infelizmente o reencontro ficou resumido a essa turnê, de nada adiantou os pedidos dos fãs mais saudosos para que o retorno fosse definitivo e rolassem novas composições. Foi um adeus bastante justo para com todos os envolvidos.
O mestre seguiu sua carreira solo até que em 2018, foi anunciado o retorno do Shaman com sua formação original e uma grande turnê para essa celebração. Não se sabia se era um retorno definitivo ou se seria no mesmo molde como foi com o Viper. Após alguns shows, o último, realizado uma semana antes da morte de Andre, foi épico: a banda abriu o show do Avantasia, banda do seu também amigo, Tobias Sammet. Infelizmente, o destino não esperou ele celebrar o retorno ao Shaman em todas as cidades inicialmente pretendidas. Andre foi encontrado morto por sua empregada, na manhã de sábado, 8 de junho de 2019. Morreu na mesma cidade em que nasceu, São Paulo.
Sua vasta obra é muito mais do que um legado, é um verdadeiro tesouro que transcende as fronteiras do Rock e que deve ser lembrado pelo restante das gerações que esse planeta ainda tiver. Ouvido pela HEADBANGERS NEWS, o guitarrista Felipe Machado, um dos primeiros parceiros de Andre, no Viper, com muito pesar, deu a seguinte declaração:
“Fico triste ao pensar que tanta coisa que ele poderia ter feito”.
Era o desejo de muitos ver Andre novamente fazendo parte do lineup do Angra, ainda que fosse nos mesmos moldes de como foi no Viper, mas ele sempre recusou qualquer contato com os ex-companheiros. Kiko Loureiro, inclusive, soltou um vídeo em seu canal oficial no YouTube, onde disse que não conversava com o vocalista haviam mais de dez anos. Em 2016, o Angra fez uma turnê onde comemorava os 20 anos do álbum “Holy Land” e pelo que consta, um convite foi feito para Andre, que recusou. Não vamos entrar nos detalhes, pois grande parte disso já é de conhecimento geral e ele tinha seus motivos para querer distância dos caras. Seria ótimo se eles tivessem resolvido suas arestas. Infelizmente não foi possível. Tive a oportunidade de assistir a um dos shows desta turnê. Foi lindo. E seria ainda mais se tivéssemos a participação do cantor que registrou essa obra originalmente, lá em 1995.
Do lado pessoal deste redator que vos escreve, Andre foi de uma importância gigantesca. Passei boa parte da adolescência e o início da vida adulta a escutar o Angra e até confesso que demorei para entender a banda: passei a curtir somente a partir do álbum “Fireworks”. Aí fui revisitando o material antigo e como não se emocionar com músicas tão vastas como “Freedom Call”, “Holy Land”, “Nothing to Say”, “Carry on”, “Stay Away”, “Make Believe”, “Time”, entre outras? Da importância para o Heavy Metal brasileiro, Andre está praticamente no mesmo patamar de Max Cavalera. Aqui não se trata de comparar, até porque são estilos completamente opostos, mas se Max teve o mérito de colocar meia dúzia de vinis embaixo do braço e viajar aos Estados Unidos, voltando com um contrato assinado com a Roadrunner, coube à Andre mostrar a versatilidade que a música pesada pode proporcionar. Se os gringos são ótimos em precisão, nós brasileiros temos o feeling e nisso Andre era genial. Sua música marcou uma época muito especial da minha vida e eu só posso agradecer por ele ter me proporcionado isso. Uma pena que não pude conhecê-lo pessoalmente e tive a oportunidade de assistí-lo in loco apenas uma única vez, com o Shaman em 2006.
Logo após a sua partida, o então prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que recentemente também nos deixou, vitimado por um câncer, decretou que este dia 8 de junho é o dia municipal do Heavy Metal. Uma atitude nobre por parte de Bruno que reconhecia em Ande uma mente brilhante e capaz de mostrar que o Heavy Metal pode sim ser incorporado a outros estilos. Uma pena que em um país tão medíocre como o nosso, o talento de Andre não pôde ter um alcance maior. Também não seria compreendido pelas pessoas que enxergam na música coisas rasas como a sexualização ou a tal chamada sofrência. E Andre era muito mais do que isso. Era um gênio a frente de seu tempo. Seu legado está aí e sua falta é sentida a cada dia que passa. Não haverá outro monstro no Brasil como Andre Matos. Como costumo sempre dizer, eu ouço gente morta. E continuarei a escutar até o dia em que eu passar para o mundo que eles estão hoje.