Há 28 anos, em 23 de março de 1996, o Angra lançava o seu segundo álbum. Os caras fizeram uma aposta de risco: se no aclamado “Angels Cry” já haviam breves flertes com a música brasileira, em “Holy Land“, eles fizeram a musicalidade nacional predominar em meio ao Heavy Metal praticado pela banda. O resultado não poderia ser um disco fantástico, épico e obrigatório na discografia de qualquer pessoa que goste de música. É sobre essa obra magistral que o Memory Remains deste sábado vai tratar.
Lançado um mês depois de “Roots“, do Sepultura, o disco causou polêmica na imprensa especializada na ocasião, tudo pelo fato de ambas as bandas terem incluído ritmos brasileiros. A treta foi mais alimentada pelos fãs do que propriamente pelas bandas, já que ambos os trabalhos tinham suas peculiaridades. Enquanto a banda dos irmãos Cavalera enveredou pela cultura indígena, coisa que eles já haviam feito em “Chaos A.D.” na instrumental “Kaiowas“, o Angra deu uma abrangência maior a outras vertentes da música brasileira, como o baião, que já era possível de se perceber em “Never Understand“, do álbum de estréia, até mesmo para músicas de origens africanas. Então, não haviam razões para rivalidades e cada banda seguia fazendo o seu melhor e agradando ao seu público, o que não impediria alguém gostar de ambas as bandas.
Após a turnê de divulgação do disco de estreia, em que colocou a banda dividindo palco com gente como o Black Sabbath, na versão Brasileira do festival “Monsters of Rock“, 1994 e mostrou ao mundo que muito mais do que o país do samba e do futebol, o Brasil era celeiro de excelentes bandas de Heavy Metal. Então os caras se reuniram para este projeto ambicioso que deu muito certo. Certamente, a formação erudita de Andre Matos, que era maestro, foi fundamental no sucesso da empreitada.
“Holy Land” é um disco conceitual, trata do Brasil em 1500, quando do início da exploração portuguesa (N. do R: nós vamos aqui evitar falar em “descobrimento”, pois na historiografia este termo encontra-se em desuso, uma vez que há registros de presença do homem por estas bandas há pelo menos 15 mil anos, logo, o “descobrimento” nada mais é do que um termo eurocêntrico). Há muita influência da música brasileira e também da música clássica, o que simbolizava a Europa no século XVI. O folclore nacional e os indígenas, que foram tão massacrados pelo governo anterior, são valorizados por aqui.
O aniversariante de hoje é uma super produção e como tal, reuniu muita gente por trás: a começar na produção, que ficou a cargo de Sascha Paeth e Charlie Bauerfeind; Tuto Ferraz ficou com a produção na parte das percussões. Como uma super produção, foram utilizados nada menos do que cinco estúdios para gravar o play: os vocais, piano e órgão foram gravados no “Vox Klang Studio”, em Bendestorf, Alemanha; os convidados especiais gravaram tudo do Brasil, no “Djembe Studio”, São Paulo; os demais instrumentos foram gravados no “Hansen Studio”, Hamburgo, “Big House Studios”, Hannover e no “HG Studio”, Wolfsburg, Alemanha. Tudo isso entre os anos de 1995 e 1996. Deu trabalho, mas valeu muito a pena. O disco teve seu processo de gravação atrasado, pois Andre Matos sofreu um sério problema em suas cordas vocais, logo depois que a banda retornou da turnê pela Europa. E ouvindo o disco, nem parece que a lenda havia tido qualquer problema.
Bolacha rolando, são 56 minutos de audição onde temos tudo de melhor que o Heavy Metal pode nos proporcionar em termos de técnica e feeling, aliados à musicalidade única brasileira. E quando nos referimos a esse termo, não estamos falando desses lixos musicais que infestam as rádios, programas de TV e as festas em geral, até porque tais estilos não existiam. A ruindade musical da época era outra e eles sabiam que não era o melhor caminho se juntar ao que seria facilmente esquecido. Eles optaram pelo lado erudita da música brasileira e isso é digno de muitos aplausos. Algumas músicas merecem destaque como “Nothing to Say“, “Silence and Distance“, “Carolina IV“, a própria faixa título, “Make Believe“, “Z.I.T.O.”. Um disco sensacional.
Infelizmente após o lançamento de “Holy Land“, os problemas entre os músicos começaram a virem a tona. Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori ainda gravariam “Fireworks”, o álbum posterior, mas depois debandaram para formar o Shaman. Mas o que fizeram com o aniversariante de hoje está eternizado na história da música pesada. Era o Brasil colocando definitivamente, os dois pés no mundo do Metal.
Hoje o Angra está com uma formação completamente diferente de 28 anos atrás, restando apenas Rafael Bittencourt. E embora os músicos atuais sejam excelentes, nada é comparado ao que fizeram neste play. Um disco perfeito, merecedor de todos os confetes. E se a NASA resolver enviar uma nova sonda Voyager, eu sugiro que “Holy Land” embarque, pois se há vida em outras galáxias, estas vidas precisam conhecer o que estes terráqueos, embora estúpidos em maior parte do tempo, são capazes de produzir coisas absurdamente lindas como o aniversariante de hoje.
Vamos celebrar mais um ano deste álbum que é um dos maiores tesouros do Heavy Metal brasileiro, que vai chegando na casa dos 30 anos e envelhece muito bem, obrigado. É dia de colocar essa bolacha para tocar no volume máximo. Somos afortunados por ter testemunhado o Angra fazendo história e levando o nome do nosso país mundo afora.
Holy Land – Angra
Data de lançamento: 23/03/1996
Gravadora: Paradoxx Music
Faixas:
01 – Crossing
02 – Nothing to Say
03 – Silence and Distance
04 – Carolina IV
05 – Holy Land
06 – The Shaman
07 – Make Believe
08 – Ζ.Ι.Τ.Ο.
09 – Deep Blue
10 – Lullaby for Lucifer
Formação:
Andre Matos – vocal/teclados/ órgão/orquestrações
Kiko Loureiro – guitarra/ violão/ percussão em “Carolina IV”
Rafael Bittencourt – guitarra/ violão/ percussão em “Carolina IV”
Luis Mariutti – baixo
Ricardo Confessori – bateria/ percussão
Participações especiais:
Mônica Tiele – vocal
Celeste Gattai – vocal
Reginaldo Gomes – vocal
The Farrabamba vocal Group – côro
Sascha Paeth – programação de teclados/ arranjos orquestrais
Paulo Bento – flauta
Pixu Flores – berimbau
Ricardo Kubala – viola
Castora – apito/ tamborim/ percussão
Holger Stonjek – baixo