Há exatos 28 anos, enquanto o Heavy Metal de maneira geral andava em baixa, o Carcass lançava seu disco mais icônico: “Heartwork“, que é tema do nosso Memory Remains desta segunda-feira. O play chegou trazendo uma sonoridade mais acessível, bastante diferente da podridão que a banda apresentou nos seus três álbum anteriores.
“Heartwork” tem duas datas de lançamento distintas: o 18 de Outubro refere-se ao lançamento no Reino Unido via Earache Records, enquanto que nos Estados Unidos, a bolacha foi lançada no dia 11 de janeiro de 1994, via Columbia Records, que aliás, marcou a estreia da banda por uma major. Optamos por celebrar a data de hoje por estar em primeiro na ordem cronológica e também por ser a mais aceita no cenário.
Essa foi a primeira vez na história do Carcass que a mesma formação foi mantida entre um álbum e outro. Tal fato só voltaria a se repetir agora em 2021, quando a formação que gravou o mais recente play da banda, “Torn Arteries” é a mesma de seu antecessor, “Surgical Steel“. Então o quarteto se juntou novamente ao produtor Colin Richardson, que já havia trabalhado em “Necroticism – Descanting the Insalubrious” e todos foram ao “Parr Street Studios”, onde as sessões de gravações ocorreram entre os dias 18 de maio e 21 de junho de 1993 e de lá sairam com essa verdadeira obra de arte.
E a mudança não se dava apenas na sonoridade, mas também na temática das letras: aquela temática mais sangrenta dos primeiros discos dava agora lugar a visões de uma sociedade decadente. E a produção foi mais caprichada, muito embora, neste quesito, a banda só tenha acertado realmente a partir de “Swansong” em diante. Aqui, já conseguimos distinguir com mais facilidade o que é a guitarra, o baixo, a bateria, coisa que nos álbuns anteriores era um verdadeiro desafio.
Vamos botar a bolacha para tocar e destrinchar as dez músicas que compõem este belo play: e a abertura se dá com a densa e maravilhosa “Buried Dreams“, em que já nota-se a diferença do som que a banda passaria a propôr a partir daquele momento. Arrastadona, com riffs incríveis, uma música bastante complexa e com as primeiras inclusões de melodia nos solos.
“Carnal Forge” já chega mostrando que, embora alguma coisa do Death Metal pútrido do Carcass ainda estava vivo, outros elementos haveriam de fazer parte da música da banda a partir dali. E aqui temos um pouco de Thrash Metal, mudanças de andamento e até guitarras mais melódicas. Uma verdadeira salada musical aqui e que se faz muito interessante.
A faixa seguinte é digamos, o maior sucesso da banda: “No Love Lost“, um som mais arrastadão, mais puxado para o Doom Metal. Uma das primeiras músicas da banda que eu conheci e que se faz necessária na carreira dos caras, de tão boa que ela é. E obrigatória nas apresentações. A faixa título nós brinda com o que de melhor pode existir em termos de mistura de som extremo com melodia. Não é nenhum absurdo dizer que aqui era lançada a semente do que hoje é o Arch Enemy, através de um tal de Michael Amott. Uma das melhores e mais completas músicas da carreira da banda.
“Embodiment” é a minha faixa favorita do disco, com a intro arrastadona e riffs maravilhosos, a música cresce conforme se desenvolve, ficando perfeita no seu refrão. “This Mortal Coil“ainda traz em seus riffs algo do antigo Carcass, somados aos elementos novos que a banda nos brindava naquele momento. Excelente som.
“Arbeit Match Fleish“, cujo título é uma paródia com a expressão homônima, usada pelos nazistas nas entradas de alguns campos de concentração durante a Segunda Guerra e que significa em tradução livre “O Trabalho Liberta”, nos brinda com uns riffs arrastados nas estrofes, tornando-se mais rápida no refrão, um verdadeiro convite ao moshpit. E com direito a uns blast-beat’s e mais melodia nos solos.
“Blind Bleeding the Blind” começa rápida como uma faixa Thrash Metal, mas é só a introdução. Logo logo ela se torna uma música com um andamento bem cadenciado, com ótimos riffs e no refrão a música ganha um pouco mais de violência e velocidade. Excelente som.
“Doctrinal Expletives” dá sequência a fase de músicas menos rápidas, mas nem por isso ruins. Essa é outra faixa em que os riffs se destacam e os solos melódicos fazem intervenções muito boas. Esse som é um esboço do que a banda iria fazer em “Swansong“, seu disco posterior.
“Death Certificate” fecha com chave de ouro esse disco que pode causar estranheza em um fã mais old-school do Carcass, mas que com certeza angariou outros, como este que vos escreve. Temos aqui uma variedade de riffs em que podemos identificar o Thrash e o Death Metal trabalhando conjuntamente e com a técnica apurada dos caras, trazendo um produto de extrema qualidade. E tome mais melodia nos solos. Ficou lindo.
E em 41 minutos temos essa obra prima do Death Metal, ou como alguns chamam e eu discordo muito deste termo, Death Metal Melódico. Um disco que fez com que a banda fosse acusada de adaptar seu som para que esta pudesse expandir o seu mercado e mesmo que essa tenha sido a intenção do Carcass, ponto para eles. Evoluíram sem deixar o peso de lado e ainda incorporaram alguns elementos que só fizeram com que o som ficasse mais maduro e robusto. “Heartwork” alcançou a posição de número 67 das paradas britânicas naquele ano de 1993 e tornou-se o maior disco da banda.
Duas faixas que foram gravadas durante as sessões deste disco acabaram ficando de fora: “This is Your Life” e “Rot ‘n’ Roll” acabaram sendo lançadas no EP The “Heartwork E.P.“. “Heartwork” foi muitíssimo aclamado pela crítica e público, além de ter influenciado toda uma geração. Bill Steer já declarou em entrevistas que é o seu álbum favorito entre todos do Carcass. E ele não está errado, o aniversariante do dia é uma verdadeira obra de arte e que rompeu fronteiras. Os caras estavam na vanguarda.
O álbum foi relançado em 2008 como parte de uma série contínua de reedições do Carcass para combinar com sua reunião. O álbum principal é apresentado como um lado de um disco de vinil, enquanto o lado do DVD apresenta a quarta parte de uma entrevista/ documentário extenso intitulado “The Pathologist’s Report Part IV: Epidemic“. Também incluído na reedição está um disco bônus incluindo o álbum inteiro em forma de demonstração, algo gravado pela banda antes de gravar o álbum real em um esforço para estar melhor preparado. A demo apresenta as mesmas 10 músicas em uma ordem ligeiramente diferente. As edições posteriores têm o DVD em um disco separado, elevando o total para 3 discos. O álbum é apresentado em um digipak de 12 painéis com letras completas e arte.
A minha relação com este álbum é de muito carinho, embora eu respeite o passado dos caras e, inclusive a minha música favorita do Carcass seja do “Necroticism“, mas foi aqui em “Heartwork” que eu tive acesso ao som dos caras. E tive a oportunidade de ver a banda ao vivo, recentemente, quando eles tocaram no Rio de Janeiro sendo a banda de abertura do Lamb of God, em 2017, em uma apresentação que foi arrebatadora e que entrou para a história da cidade Maravilhosa, tão maltratada com estilos musicais horrendos que a contaminam. Os fãs paulistanos ainda tiveram a honra de ter King Diamond na mesma noite.
Mesmo sem o gênio Michael Amott e posso vos dizer: o Carcass é mortal ao vivo e por isso, além de celebrar a data de hoje para este lindo álbum, vamos desejar longa vida ao hoje trio britânico, que voltou a nos brindar com um novo álbum, após 8 anos angustiantes de espera. Agora a nossa espera é para que as coisas se normalizem por essas terras para que possamos ver a banda de Jeff Walker e Bill Steer ao vivo por aqui. Que esse retorno da banda seja em um Brasil melhor, sem esse genocida que está no poder e com a população novamente com acesso a recursos básicos como a alimentação, que anda escassa por aqui.
Heartwork – Carcass
Data de lançamento – 18/10/1994
Gravadora – Earache Records
Faixas:
01 – Buried Dreams
02 – Carnal Forge
03 – No Love Lost
04 – Heartwork
05 – Embodiment
06 – This Mortal Coil
07 – Arbeit Macht Fleisch
08 – Blind Bleeding the Blind
09 – Doctrinal Expletives
10 – Death Certificate
Formação:
Jeff Walker – Vocal/Baixo
Bill Steer – Guitarra
Michael Amott – Guitarra
Ken Owen – Bateria