O ano de 1992 é bem icônico em vários sentidos. A guerra fria havia terminado recentemente e as ex-repúblicas soviéticas tentavam conviver sem a influência de Moscou; no esporte, Ayrton Senna havia entrado para a galeria dos tricampeões de F1; a seleção brasileira amargava um jejum sem conquistas na Copa do Mundo e com o vexame de não se classificar para os jogos olímpicos após duas medalhas de prata; na geopolítica, a guerra do Golfo, acontecida um ano antes mostrava que o novo inimigo dos Estados Unidos estava no oriente médio; e na música, o Iron Maiden lançava “Fear of the Dark“, há exatos 30 anos. O disco que marcava a despedida “temporária” de Bruce Dickinson. E dizemos temporária porque sequer imaginávamos que o Iron Maiden iria perecer sem seu mais icônico vocalista. O 9° álbum da donzela de ferro é assunto do nosso Memory Remains desta quarta-feira.
O então quinteto vinha de um álbum não muito bem sucedido, “No Prayer for Dying” é de fato, dotado de muito pouca inspiração. Bruce Dickinson, havia lançado um ano antes o seu primeiro álbum solo, “Tattoed Millionarie” e reza a lenda de que Steve Harris havia colocado o vocalista contra a parede: ou ele se dedicava ao Iron ou a sua carreira solo. Bruce então resolveu fazer seu voo solo. E como bom comandante que é, de voo ele entende bem.
Assim sendo, ele determinou que este seria seu último álbum pelo Iron. Mas não era apenas gravar um álbum e ir embora. Uma grande turnê foi preparada para que os fãs pudessem se despedir da voz que marcou uma mudança fundamental naquele Iron Maiden dos primórdios e que ajudou a banda a se transformar nessa instituição do Heavy Metal que é hoje. A banda encabeçou o Monsters of Rock, para os mais novos, o equivalente ao Wacken atual. E é emocionante a devoção dos fãs dando adeus ao frontman.
Eis que a banda se juntou para gravar o aniversariante do dia, no mesmo Rolling Stones Mobile Studio, rebatizado Barnyward Studios, montado em uma fazenda pertencente a Steve Harris e onde “No Prayer for Dying” fora gravado. As sessões começaram ainda em 1991 e foram até abril de 1992. Como os resultados daquele álbum não foram nada satisfatórios, restou ao manda-chuva da banda fazer reformas nas instalações, que não melhorou muito, como conta Bruce Dickinson:
“(houve) uma pequena melhora porque Martin [Birch] veio e supervisionou o som. Mas havia grandes limitações no estúdio – simplesmente devido ao tamanho físico, coisas assim. Na realidade não terminou tão mal, mas, você sabe, um pouco abaixo da média”.
Esse trabalho foi um marco na carreira do produtor e parceiro de longa data da Donzela, Martin Birch: foi o último disco a ser produzido pelo cara, que se aposentou logo depois e nos deixou no ano passado. Outra novidade diz respeito à arte da capa, a primeira que não contou com a assinatura de Derek Riggs, que teve seus rascunhos rejeitados pela banda, que optou pela proposta de Riggs. Particularmente, eu acho a mais bela capa dentre todas do Iron. Vamos ao que interessa, que é dissertar sobre cada uma das doze faixas que compõem o álbum de despedida de Bruce Dickinson.
Uma virada sensacional de Nicko McBrain anuncia a chegada de uma das músicas mais enérgicas do Iron: “Be Quick or be Dead”. Com seus riffs hipnotizantes, ela abre muito bem o play. “From Here to Eternity” é mais na linha do álbum “No Prayer for the Dying”, com uma pegada mais Hard/Heavy, apesar de haver uma certa influência do AC/DC.
Carlos Pupo/Headbangers News
“Afraid to Shoot Strangers” é a primeira das músicas mais icônicas deste play. A sua primeira metade tem um clima fantástico e calcada no Prog, quando uma mudança brusca no andamento deixa a música mais rápida, até o retorno do belo clima inicial que fecha a música com louvor. Essa é disparada a melhor música do play em minha opinião. A letra, mostra o engajamento da banda, que abordou a Guerra do Golfo, sob o ponto de vista de um soldado.
“Fear is the Key” tem um clima bem Zeppeliano na sua intro, mas as semelhanças param por aí. A música se desenvolve em uma pegada mais prog, com letra que trata do medo de relações sexuais por conta do perigo de um vírus então novo, o HIV e foi escrita após a banda tomar conhecimento da morte de Freddie Mercury, um pouco antes. “Childhood’s End” tem o mesmo clima épico da faixa título em sua introdução, onde o baixo cavalgado de Mr. Steve Harris já se destaca. A música só decola do meio para o final, quando ganha contornos mais Heavy e um bom solo.
Chega um dos pontos altos do play: “Wasting Love”, que podemos dizer tratar-se de uma “balada” do Maiden. Ela é densa, tem um belo clima e Bruce Dickinson aqui tem sua melhor performance. A primeira vez que ouvi a banda foi em uma rádio foi através desta música. Ela é propícia para tocar em rádios, o que não lhe tira as qualidades. E assim se foi a primeira metade do play.
“The Fugitive” é aquela faixa típica do Iron, que você ouve alguns segundos e já identifica a banda. Uma boa canção. “Chains of Misery” devolve a pegada Hard’n’ Heavy, que estamos tão acostumados a ver no Iron. Uma música relativamente pesada e com um belo solo de guitarra. “The Apparition” abre o terço final do play e é outra que pertence ao rol das minhas favoritas, outra música com um pé no Hard e outro no Heavy.
“Judas be my Guide” é carregada de melodia e tem um refrão que gruda na mente do ouvinte. “Weekend Warrior” tem o mesmo clima das faixas do álbum antecessor, o que particularmente não me agrada, ainda que a música seja bem certinha e trata de um assunto que segue atual: a violência no futebol. Ao menos lá no Reino Unido, as coisas se acalmaram, embora nas Copas do Mundo, os famosos Hooligans, como são conhecidos os torcedores ingleses, sejam ainda temidos. Aqui no Brasil, infelizmente, os torcedores levam o futebol muito a sério e você corre o risco de perder a sua vida caso esteja com uma blusa do seu time no lugar errado e na hora errada.
Mas a cereja do bolo vem a seguir, com a faixa título, apoteótica, épica. Assim podemos definir “Fear of the Dark”, a música. Certamente a mais conhecida música do Iron e que nas apresentações da banda tem as notas de guitarra de sua introdução cantadas em uníssono por todos os presentes. Ela começa com um ar tranquilo, mas vai crescendo e se torna um Power Metal para ninguém botar defeito. E tem certamente um dos refrões mais emblemáticos da carreira da donzela. Um final ótimo para um álbum que oscilou; começou bem e aos poucos foi diminuindo o ritmo, para encerrar da mesma forma enérgica que iniciou. Essa faixa foi uma das únicas que sobreviveram às turnês posteriores, juntamente com “Afraid to Shoot Strangers”. Esta última esteve presente nos shows com Blaze Bayley nos vocais, porém, saiu do repertório, voltando somente em 2012, enquanto que “Fear of the Dark” jamais foi retirada, à exceção foi em 2005, quando a banda fez uma turnê tocando apenas músicas de seus primeiros quatro álbuns.
São 58 minutos de um álbum com passagens um tanto quanto experimentais, mas, sem muito esforço, supera o álbum anterior. Tem seus bons momentos e marcou aquele que muitos apostavam como sendo o álbum derradeiro com Bruce Dickinson, uma vez que ele engatou uma sólida carreira solo e, apesar de a passagem de seu substituto, Blaze Bayley ter sido um tanto quanto catastrófica (para os fãs que não aceitavam o cara de maneira alguma), poucos apostavam em um retorno do vocalista à banda que o consagrou. O fururo nos mostraria, apenas 7 anos depois, que o lugar de Bruce era como comandante do Ed Force One, e principalmente, cantando ao lado dos seus velhos companheiros.
A turnê passou por quatro continentes do Globo e até mesmo o Brasil foi contemplado com três apresentações: o Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, o estádio do Palmeiras, à época chamado de Palestra Itália ou Parque Antárctica, hoje completamente reformulado e que atende pelo nome de Allianz Parque e o ginásio do Gigantinho , em Porto Alegre foram os três afortunados locais que receberam os últimos shows com Bruce Dickinson no comando. Cinco das doze músicas de “Fear of the Dark” marcaram presença no setlist daquela turnê, que começou em 3 de junho de 1992, em Norwich, Inglaterra e se estendeu até o dia 4 de novembro daquele mesmo ano, em Tóquio, Japão.
“Fear of the Dark” foi o terceiro álbum do Iron Maiden a alcançar o topo das paradas britânicas; o álbum teve também boas performances na Finlândia, onde alcançou o 4º lugar, na Suíça (5º), Alemanha e Suíça (6º), na Áustria e na Suécia (8º), no Japão e na Austrália (11º) e na famosa “Billboard 200”, onde alcançou a posição de número 12. “Be Quick or be Dead”, lançada como single, ficou em 2º no Reino Unido e em 3º na Noruega. Alem disso, a banda foi premiada com Disco de Ouro no Canadá, França e no Reino Unido. É o álbum da Donzela mais vendido nos Estados Unidos. Até o ano de 2008, foram contabilizados quase 500 mil cópias.
No ano de 2011, o álbum ganhou mais um reconhecimento: a revista “Guitar World” compilou uma lista com os melhores álbuns com guitarra por ano e “Fear of the Dark” chegou ao honroso 8º lugar. Um grande feito, ainda mais se considerarmos que a vertente da música pesada em evidência naquele momento era o Grunge: bandas como Pearl Jam, Alice in Chains, Nirvana e Soundgarden estavam na crista da onda naquele momento e mantendo o Rock nas rádios e na MTV. Tudo bem que o Iron Maiden não é nem nunca foi uma banda radiofônica, pensará o fã ao ler estas linhas, mas ainda assim, nadando contra a corrente, o quinteto liderado por Steve Harris mostrava bons resultados.
Enfim, um álbum que está às portas de completar a terceira década de lançamento e se não está na galeria dos melhores discos da carreira do Iron, certamente está longe de ser o pior e por isso ele merece todos os louros. Enquanto aguardamos, vamos celebrando, de preferência escutando esse play no volume máximo, enquanto aguardamos pelo dia 2 de setembro, nosso próximo encontro com a banda, que será headliner do dia do Metal na edição deste ano do Rock in Rio.
Fear of the Dark – Iron Maiden
Data de lançamento – 11/05/1992
Gravadora – EMI
Faixas:
01 – Be Quick or be Dead
02 – From Here to Eternity
03 – Afraid to Shoot Strangers
04 – Fear is the Key
05 – Childhood’s End
06 – Wasting Love
07 – The Fugitive
08 – Chains of Misery
09 – The Apparition
10 – Judas be my Guide
11 – Weekend Warrior
12 – Fear of the Dark
Formação:
Bruce Dickinson – vocal
Steve Harris – baixo
Dave Murray – guitarra
Janick Gers – guitarra
Nicko McBrain – bateria
Participação especial:
Micheal Kenney – teclado