Em 17 de Outubro de 2000, o Nevermore lançava “Dead Heart in a Dead World“, o quarto e mais aclamado disco deste quarteto de Seattle que deixa muitas saudades e é tema do nosso Memory Remains desta segunda-feira.
A bolacha foi lançada via Century Media, gravadora pela qual o Nevermore permaneceu do início ao fim de suas atividades. A banda vinha de um excelente disco, o antecessor “Dreaming Neon Black“, que já apresentava uma cara mais moderna ao som do quarteto de Seattle. A turnê tinha rendido bons frutos, como a parceria nos palcos com o Iced Earth, do vacilão fora da lei, John Schaffer. A banda de Warrel Dane e Jeff Loomis gozava de prestígio na cena, era considerada a próxima a estourar. Só não deu mais certo porque o próprio Warrel admitiu anos mais tarde que o Nevermore foi a melhor banda que o álcool destruiu.
Gravado no estúdio Village Productions, em Tomillo, Texas, com produção do excelente Andy Sneap, a banda apresentou ainda mais novidades, como as guitarras de 7 cordas de Jeff Loomis, que deu ainda mais “up” no seu som. Eles permaneceram trancafiados no estúdio durante o mês de julho de 2000, verão no hemisfério norte. O trabalho de produção ficou perfeito e isso ajudou no resultado final da obra.
É bem verdade que é praticamente impossível de se rotular o som do Nevermore. Há quem diga que eles são uma banda de Heavy Metal com influências Thrash e Progressivo, o que é uma boa definição, mas eu diria que, se o Metallica, Anthrax e o Testament, por exemplo são bandas que representam o Thrash Metal dos anos 80 e o Sepultura e o Pantera representam o estilo nos anos 90, podemos afirmar que o Nevermore dá essa nova roupagem ao estilo nos anos 2000. E tudo por conta do que foi apresentado aqui em “Dead Heart“. Vamos então, sem delongas, destrinchar as 11 faixas deste magnífico disco:
A bolachinha abre com “Narcosynthesis“, uma música que tem os riffs do Thrash Metal moderno. Toda a banda trabalha aqui com perfeição: Loomis e o baterista Van Williams tomam as rédeas, enquanto que Dane canta com muita maestria. Jim Sheppard segura bem a onda no baixo, numa letra que fala sobre o uso de drogas. Narcossíntese é uma técnica de tratamento de neuroses graves que um indivíduo tem devido ao uso de narcóticos. Início perfeito.
“We Desintegrate” já dá o tom mais de progressivo, sem abandonar o peso e as partes atmosféricas. O modernismo segue em voga. Loomis brilha novamente tanto nas bases quanto nos solos. O groove também se mostra bem presente. “Inside Four Walls” traz de volta este Thrash Metal do novo milênio, uma música nervosa, em que Loomis novamente destila todo o seu talento, com uma base bem moderna e pesada, e no solo simplesmente impecável. E Dane, inteligente e crítico como poucos na cena, aborda na letra, a forma como os políticos tentam nos dizer o que devemos ou não fazer, mas entre quatro paredes, quem deve decidir o que fazer é você mesmo e não os “porcos que pregam suas mentiras”.
“Evolution 169” dá uma quebrada na vibe do disco, é uma música mais densa, com um andamento mais devagar em relação as músicas anteriores, mas que mantém o nível do álbum lá em cima. Loomis e Dane dando seus respectivos espetáculos de performance, com destaque para os riffs ultrapesados e sombrios.
“The River Dragon Has Come” foi a primeira música deste álbum que eu escutei e ela, que tem em sua intro um dedilhado que parece que não nos levará a lugar algum, se revela uma música poderosa, com riffs maravilhosos e em minha opinião, o melhor solo já criado por Jeff Loomis. A letra trata do rio Yangtze, o maior rio do continente asiático, que atravessa a China. O rio, que é chamado de “O Dragão”, quando enche, costuma-se dizer que “o dragão acordou”. Este rio, que diversas vezes inundou, causou enormes prejuízos e ceifou vidas, o que levou as autoridades a construirem uma represa, batizada “Three Gorges” (três gargantas), cuja construção foi iniciada em 1993 e sua conclusão se deu em 2012, sob a promessa de melhorar tanto as enchentes, quanto a navegação fluvial por ali. A usina superou a brasileira Itaipu como a maior do mundo. Warrel Dane escreveu esta letra já dentro do estúdio, com a banda já tendo iniciado os trabalhos de gravação do play. Era seu costume entregar letras aos 45 minutos do segundo tempo.
Bem, voltando a parte musical, temos uma “balada” em “The Heart Collector“. Em “Dead Heart“, o Nevermore optou por compor baladas sem abrir mão do peso. O caro leitor vai achar que eu estou louco, mas não estou. E aqui temos uma música que não precisa ser mela-cueca. Loomis brilha solando na intro desta música. Ao vivo ela soa ainda mais espetacular.
“Engines of Hate” é uma das melhores do disco, aqui o Thrash metal moderno volta a estar em evidência. Esta música é a primeira que eu apresento a um amigo quando ele diz que não conhece o som do Nevermore. E olha que eu já angariei diversos fãs, afinal, quem consegue resistir à força e o peso que esta música tem? Sem falar da poesia de Dane, que canta que “posso ver o diabo no seu ombro?”
E a faixa oito é mais que especial. Os caras são fantásticos em fazer cover. Se anos antes, eles transformaram “Love Bites“, do Judas Priest em uma canção sombria, pesada e maravilhosa, o que eles fizeram aqui com “The Sound of Silence“, de Simon & Garfunkel? Esqueça a versão original, que nos dá aquela sensação de paz, tão bonitinha, tão calminha… Aqui eles transformam tudo em caos, com uma intro bem Thrash (ATENÇÃO: sempre que eu me referir ao termo aqui, não me remeto às bandas que o fizeram nos anos 80 e 90 e sim na forma em que o Nevermore reinventou o estilo na contemporaneidade) e passagens mais arrastadas, sombrias, lindas, maravilhosas. Não sei se a dupla gostou da versão, mas eu amei de verdade.
“Insignificant” é uma música com andamento mais lento, até porque nossos pescoços precisarão de um descanso após duas pauladas anteriores. Uma música que não abandona o peso, tendo as influências Prog que o Nevermore sempre utilizou. Muito boa música.
“Believe in Nothing” é uma canção, digamos, mais comercial, feita para tocar em rádios e foi até veiculada com alguma frequência na MTV, embora esta não estivesse dando tanta atenção às bandas de Metal na época. Podemos também classiifcar a música como uma “balada”, ela não abandona o peso e aqui, Dane reafirma na letra não acreditar em nada e questiona sobre a cura para as aflições humanas.
Fechando o disco, um dedilhado de Sheppard, com chiados que podem nos fazer perceber que a bolachinha veio com defeito, mas não veio. É proposital. E logo, a faixa título que parecia ser uma canção de ninar, vira o caos total. Com uma pegada bem Thrash, moderna, Van Williams se destaca com sua bateria animalesca. As quebras de ritmo, trazendo uma parte mais prog, sobretudo no solo dão aquele equilíbrio perfeito e o final da música, com aquele riff poderoso, na mesma melodia em que Dane canta “Dead Heart in a Dead World”. Maravilhoso.
Enfim, são pouco mais de 56 minutos que passam de uma maneira tão avassaladora, que você já fica esperando um novo lançamento da banda, um single, com alguma coisa inédita, porque não parece ter sido o suficiente, então coloca o disco para tocar de novo, e de novo e de novo, até o dia acabar, sem jamais enjoar.
Foi na turnê deste álbum, que o Nevermore veio ao Brasil pela primeira vez, em 2001, quando, acompanhado pelo Krisiun e Necromancia, fez uma pequena turnê por terras tupiniquins. Infelizmente o show que estava agendado para o Rio de Janeiro foi cancelado eu nunca pude ver a banda ao vivo. Levarei comigo para o túmulo o remorso de nunca ter assistido a minha banda favorita ao vivo. Até cheguei a conhecer Warrel Dane, quando ele fez sua primeira turnê solo e foi um dia inesquecível.
“Dead Heart in a Dead World” chegou a frequentar as paradas alemãs, conquistando a honrosa 57ª posição. Eram tempos em que aa vendas de CDs começavam a cair vertiginosamente, muito em virtude do advento da internet e a consequente pirataria, que arruinou as gravadoras, mas também deu possibilidade a muitos de conhecer bandas, pois nem todos têm dinheiro para comprar tantos lançamentos.
Particularmente, eu considero este como o melhor álbum de Metal lançado nas últimas duas décadas. Uma pena o fato de Dane, que imortalizou todas estas canções não está entre nós para celebrar e ver a sua obra alcançar a data histórica. E se a banda não estava em atividade quando comemorou-se 15 anos do lançamento deste álbum, o saudoso vocalista, na companhia dos excelentes músicos Thiago Oliveira, Fabio Carito, Marcus Dotta e Johnny Moraes fizeram uma turnê comemorando a histórica data. Talvez se Dane tivesse vivido mais, a banda estaria de volta à ativa e poderia nos brindar com este disco sendo tocado ao vivo. Isso quase aconteceu, não fosse pela agenda de Jeff Loomis, muito ocupada com o Arch Enemy.
Mas como canta Dane aqui, “Nevermore to feel the pain”. Celebraremos quem esteve entre nós com tanto afinco. E aos que ficaram, pois também ajudaram e muito nesta sensacional obra do Metal. O Nevermore foi uma excelente banda e só quem conhece bem a discografia dos caras, pode ter ideia do quão espetacular este quarteto conseguiu, fazendo o diferente em uma época em que todos fazem igual. Eles fazem muita falta na cena.
Portanto hoje é dia de celebrar essa data, ouvindo este clássico do Metal moderno no último volume. E como eu sempre digo, eu escuto gente morta. Ainda mais quando a pessoa em questão escreveu letras edificantes, que nos ajuda a crescer como ser humano. Dane era um grande democrata e como amava o Brasil, certamente estaria fazendo coro contra esse dublê de presidente que há de cair no próximo dia 30. Vamos preservar e manter vivo o legado desta lenda. E lendas não morrem.
Dead Heart in a Dead World – Nevermore
Data de lançamento – 17/10/2000
Gravadora – Century Media
Faixas:
01 – Narcosynthesis
02 – We Desintegrate
03 – Inside Four Walls
04 – Evolution 169
05 – The River Dragon Has Come
06 – The Heart Collector
07 – Engines of Hate
08 – The Sound of Silence
09 – Insignificant
10 – Believe in Nothing
11 – Dead Heart in a Dead World
Formação:
Warrel Dane – Vocal
Jeff Loomis – Guitarra
Jim Sheppard – Baixo
Van Williams – Bateria