Memory Remains

Memory Remains: Rage Against the Machine celebra 30 anos de seu disco de estreia em uma aula de politização

3 de novembro de 2022

Se você é de direita, apoia autocratas, fascistas ou não aceita os resultados das últimas eleições aqui no Brasil, sugiro que não leia este texto, pois sim, ele é “tendencioso”. Se depois deste alerta, você ainda seguir lendo, podemos começar pra valer. Em 3 de novembro de 1992, o Rage Against the Machine lançava o seu álbum de estreia, cujo o nome é o mesmo da banda. O mais novo trintão do Rock é tema do nosso Memory Remains desta quinta-feira. Vamos contar um pouco da história deste play, que tanto orgulha aqueles que realmente entenderam que o Rock não pode jamais se aliar ao fascismo.

A data de lançamento não foi escolhida por acaso. Este foi também o dia das eleições para presidente dos Estados Unidos, quando o candidato democrata Bill Clinton derrotou o republicano George Bush e representou um pequeno basta nas guerras (diretas e indiretas) que os ianques estavam envolvidos. A banda, que sempre se engajou politicamente, foi cirúrgica na escolha de seu primeiro lançamento.

A banda foi formada em 1991 e logo conseguiu um contrato com uma major, a Epic e com isso as coisas ficaram bem menos complicadas para o quarteto. Mas isso não significa que eles ganharam tudo de mão beijada, eles inovaram trazendo uma sonoridade que misturava Heavy Metal, Hard Rock e Hip-hop, além de suas letras politizadas. Onze dias antes do lançamento do aniversariante do dia, a banda lançou uma fita demo com o mesmo nome do álbum (e da banda, claro), contendo sete das canções que estão presentes aqui.

A capa já mostrava que o discurso politizado não era brincadeira. Na imagem principal, é retratado o monge budista do Vietnã, Thích Quảng Ðức, que se imolou até a morte, em 1963, em um protesto contra a repressão que os monges sofriam pelo então primeiro ministro daquele país, Ngo Dhin Diem. Ou seja, já na primeira imagem do play, os caras já davam seu recado: não tolerar os intolerantes.

Gravado entre abril e maio de 1992, no estúdio Sound City, na Califórnia, o álbum de estreia da banda causou um boom na cena e também abriu portas para que outras bandas com estilo similares pudessem emergir. A produção é de GGGarth e nos solos, Tom Morello ainda os praticava de acordo com o “padrão” que o Rock e o Metal ditam. A partir do segundo álbum em diante, ele passaria a improvisar, tornando-o um guitarrista diferenciado. Mas o trabalho de suas guitarras aqui já era fenomenal.

Musicalmente falando, o conteúdo é tão maravilhosamente lindo quanto a parte lírica. São 55 minutos de muita raiva contra o sistema e muito peso. Peso esse que muitas bandas de Heavy Metal abriram mão naquela época. Podemos destacar, “Bullet in the Head“, “Bombtrack“, “Freedom“, “Wake up“, com seu clima zeppeliano na intro, e, evidentemente, “Killing in the Name“, um dos grandes clássicos dos anos 1990 e talvez a música que melhor represente o questionamento quanto a governantes autoritários (N. do R: se alguém aí leu Jair Bolsonaro, bingo!).

O álbum foi um verdadeiro sucesso, tanto da crítica especializada, quanto do público. Isso fez com que o álbum fosse certificado com Disco de Ouro na Áustria, Bélgica, Alemanha, Japão, Suíça e Itália; Platina no Canadá, França, Holanda e Nova Zelândia; triplo Platina nos Estados Unidos e Reino Unido e cinco vezes Platina na Austrália. Nos charts, 5° lugar na Holanda, 8° na França, 9° na Nova Zelândia, 12° na Austrália, 16° na Suíça, 17° no Reino Unido, 22° na Suécia, 37° na Bélgica e 45° na “Billboard 200”. O álbum está presente no famoso livro “Os 1001 Álbuns que Você tem que Ouvir Antes de Morrer“, está na posição número 221 na lista dos “500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos” da Revista Rolling Stone e a revista Q colocou o álbum entre os 50 mais pesados de todos os tempos. Resumindo, a banda nasceu gigante.

Os caras saíram em turnê que se iniciou em 15 de janeiro de 1993, com uma apresentação em Chicago e se estendeu até o dia 31 de dezembro daquele mesmo ano em Detroit. Os shows incluíram apresentações no Lollapalooza, aquele genuíno festival que era itinerante e restrito aos Estados Unidos, mas que prezava mais pelas bandas de Rock, diferente desta franquia que é comercializada atualmente aqui no Brasil. Algumas bandas acompanharam o RATM em algum momento desta tour, fazendo a abertura de seus shows, como Houses of Pain e o Cypress Hill.

Depois disso a banda só se agigantou ainda mais e o único pecado foi terem se separado do vocalista Zack de la Rocha e se juntar ao talentoso Chris Cornell para formar o Audioslave, mas aí é uma opinião pessoal deste redator, pois duas excelentes bandas ficaram no limbo para que uma banda bem mais ou menos ficasse em evidência. Mas felizmente eles voltaram com tudo, para alegria dos que compreenderam o sentido contestador do Rock e para tristeza de alguns da direita, que recentemente ficaram revoltados com o posicionamento da banda e sugeriram criar um Rage Against the Machine reacionário… Isso é tão patético quanto os atuais “protestos” pelo Brasil por aqueles que não aceitam os resultados das urnas nas últimas eleições e suplicam por um golpe militar. Felizmente, a democracia vive e foi retomada com a vitória do presidente Luis Inácio Lula da Silva, eleito democraticamente por mais de 60 milhões de brasileiros.

E felizmente também, o RATM segue na ativa, sobrevivendo a esse vírus que não se acaba, resistindo aos que defendem pautas antidemocráticas, destilando sua raiva contra a máquina. Doando parte dos cachês de seus shows para instituições de caridade, fazendo o que muitos governantes deveriam fazer, pois eleitos pelo povo, deveriam estar comprometidos com o povo. É uma dádiva poder ter uma banda como essa tocando, fazendo barulho e incomodando as elites. Tem gente que prefere ouvir banda de fascistas, mas aqui eu vou parafrasear o guitarrista Jão, do Ratos de Porão, que brilhantemente disse que “fascistas a gente não segue, a gente persegue”. Longa vida a estes quatro guerreiros esquerdistas. O Rock precisa demais de vocês. E pelo jeito, muitos dos fãs também.