Há 30 anos o Ratos de Porão lançava o álbum “RDP ao Vivo“, o primeiro registro da banda em cima dos palcos e essa pérola da música pesada tupiniquim é tema do nosso Memory Remains de hoje.
Em 1992, o Ratos de Porão já havia lançado cinco discos de estúdio e eles entendiam que era hora de gravar um disco ao vivo. A banda havia lançado dois álbuns pela Roadracer, subsidiária da Roadrunner. Inclusive estes dois álbuns gravados em Berlim, capitaneados pelo renomado produtor Harris Johns. Eles escolheram a cidade natal, São Paulo para a gravação dos shows que geraram este play. Anos mais tarde, eles admitiram o arrependimento em não terem escolhido o Circo Voador, no Rio de Janeiro para gravar esta apresentação. Eles se redimiram anos depois, ao gravar um DVD na capital carioca.
30 anos atrás, o Brasil vivia um cenário caótico, semelhante com este atual, onde temos pseudo-patriotas defendendo golpe de Estado, justificado simplesmente pela não aceitação dos resultados das urnas eletrônicas, onde a maioria da população optou por não reeleger o dublê de presidente, responsável por quase 700 mil mortes por COVID-19. Na época, eram os caras pintadas indo às ruas em protesto contra a gestão do então presidente Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito diretamente após o período da ditadura militar. Ele sofreu impeachment, porém, optou por renunciar ao cargo para que não perdesse seus direitos políticos. Hoje atua como senador da República, e defendendo com fervor este que simplesmente se calou após ser derrotado nas eleições do dia 30 de outubro. Alheios a isso, as ratazanas tratavam de aterrorizar a todos com sua sonoridade, que na época já flertava mais com o Metal do que propriamente com o Punk, embora a pegada das músicas tocadas aqui neste play estejam mais para o Hardcore.
Há, inclusive, um incidente entre as músicas “Beber Até Morrer” e “Máquina Militar“, onde em meio aos gritos da “Ratos Ratos” por parte da plateia, algum engraçadinho gritou “traidor do movimento” para João Gordo, que respondeu pedindo para que este chupasse a sua “genitália” e xingando sua progenitora, não necessariamente com essas palavras. Para os desavisados, o Ratos de Porão é ainda chamado de “traidores do movimento Punk” por alguns xiitas, pelo simples fato de a banda ter incorporado elementos mais do Metal, deixando de lado a sonoridade Punk, sobretudo do primeiro disco, “Crucificados Pelo Sistema“, o que é uma besteira sem tamanho. A vida é evolutiva e a banda de João Gordo e Jão fez o que se espera de qualquer ser humano.
São 30 músicas no total, sendo que três escondidas e não estão creditadas na capa do CD. Se você deixar o play rolando após “Igreja Universal“, a música que fecha o disco, temos “Novo Vietnã“, “Poluição Atômica” e “Agressão/ Repressão“, os bônus que a banda deu aos fãs. Destas 30 canções, todos os cinco álbuns lançados até então foram contempladas, sendo que “Brasil“, o álbum favorito da banda e aclamado pelos fãs como o melhor da carreira deles e que também soa atual em pleno ano de 2022, foi o que teve o maior número de faixas escolhidas, com 7. “Crucificados Pelo Sistema” vem a seguir com 6, “Anarkophobia“, o álbum recém lançado teve 5, “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” teve 4 e “Descanse em Paz” teve 3. Eles também incluíram um cover, “Work for Never“, do Extreme Noise Terror, além de mais 4 músicas jamais lançadas em full-lenght da banda, são elas: “Novo Vietnã“, “Poluição Atômica“, “Guerrear” e “Políticos… Em Nome do Povo“. As duas primeiras saíram apenas em demos do início da carreira e as duas últimas, foram gravadas e lançadas no split EP que o Ratos de Porão lançou junto com os espanhóis do Looking for an Answer, em 2010.
O álbum marca uma estreia e uma despedida: o baterista Boka, que veio do Psychic Possessor, havia entrado na banda em 1991, no lugar de Spaghetti, que saiu logo após a gravação de “Anarkophobia“. O baixista Jabá saiu em 1993. O baterista mostrou já um entrosamento enorme e agregando uma agressividade fora do normal. Já o baixista, parece ter deixado uma “maldição” no posto, pois ninguém parava na vaga, até a entrada de Juninho em 2003, que não mais saiu.
Clássicos foram destilados. “Morrer“, “Beber Até Morrer“, “Crucificados Pelo Sistema“, “Vida Animal“, “Plano Furado“, “Igreja Universal“, “Paranóia Nuclear“, “Aids, Pop, Repressão“, “Crise Geral“, “Herança“, entre outros. Destas 30 faixas presentes aqui, a maioria esmagadora ainda é tocada ao vivo nos dias atuais. Claro que faltaram no play canções como por exemplo “Amazônia Nunca Mais“, “Tattoo Maniax“, “FMI“, “Descanse em Paz” ou “Assalto na Esquina“, mas trata-se de um belo registro ao vivo desta que certamente é um dos maiores nomes da música pesada no Brasil e que hoje consegue unir as tribos do Punk e do Metal, o que era simplesmente impensável há 40 anos atrás.
Celebremos então mais um trintão do Crossover nacional. Felizmente o Ratos segue na ativa, ainda que a saúde de João Gordo não esteja 100% e inspire cuidados, ficando a nossa torcida para que ele possa seguir entre nós por mais algum tempo, pois o Brasil precisa de ter uma voz de protesto e de resistência antifascista, já que o headbanger brasileiro parece ainda não ter aprendido a lição número um do Rock: o estilo nasceu contestador e não pode jamais se alinhar com governantes autoritários que flertam com regimes autocratas, nem tampouco com o falso conservadorismo que reina neste Brasil repleto de hipocrisia. Por isso, o Ratos de Porão lançou o melhor disco do ano de 2022, “Necropolítica“, que faz uma “homenagem” às avessas ao pior presidente da história deste país, em mais uma bela leitura da situação social que eles (e nós também, obviamente) vivenciaram. Tão importante quanto qualquer livro de história, o Ratos de Porão deveria ser tombado como patrimônio imaterial. Longa vida a este quarteto lindo.
RDP ao Vivo – Ratos de Porão
Data de lançamento – 1992
Gravadora – Estúdio Eldorado
Faixa:
01 – Morrer
02 – Mad Society
03 – Crianças sem Futuro
04 – Ascenção e Queda
05 – Beber Até Morrer
06 – Máquina Militar
07 – Guerrear
08 – Políticos… Em Nome do Povo
09 – Caos
10 – Sofrer
11 – Crucificados Pelo Sistema
12 – Vida Animal
13 – Plano Furado I
14 – Plano Furado II
15 – Anarkophobia
16 – Aids, Pop, Repressão
17 – Realidades da Guerra
18 – Work for Never
19 – Velhus Decreptus
20 – Herança
21 – Paranóia Nuclear
22 – Crise Geral
23 – Que Vergonha
24 – V.C.D.M.S.A.
25 – Cérebros Atômicos
26 – Sentir Ódio e Nada Mais
27 – Igreja Universal
28 – Novo Vietnã*
29 – Poluição Atômica*
30 – Agressão/ Repressão*
* Faixas bônus escondidas
Formação:
João Gordo – vocal
Jão – guitarra
Jabá – baixo
Boka – bateria