Para alguns, o melhor disco do Sepultura. Para outros mais radicais, foi o início da decadência da banda. Independente da opinião que cada pessoa tenha a respeito de “Arise“,o quarto álbum da banda, cuja história se confunde com a história do Heavy Metal nacional, é inegável a importância do aniversariante do dia, que completa 32 anos hoje e que é assunto do nosso Memory Remains deste sábado.
Uma verdade precisa ser abordada aqui, este de fato é o último álbum genuinamente Thrash Metal gravado pelo Sepultura, pois depois disso, a banda sempre buscou inovar em sua sonoridade. Nos dias atuais então, nem se fala, pois com Andreas Kisser e Paulo Xisto como os únicos remanescentes, o grupo corre mais do seu passado do que os cães fogem de um bom banho. Poucas são as músicas que a atual formação se arrisca em tocar ao vivo, o que é realmente uma pena. Felizmente, temos os irmãos Max e Iggor Cavalera que de vez em quando saem pela estrada tocando os grandes clássicos da banda que foi um dos principais pilares do Heavy Metal na primeira metade dos anos 1990.
Pois bem, no ano de 1990, a banda vinha de uma turnê bem sucedida (e com algumas tretas, sobretudo, com a galera do Sodom) de seu disco anterior, o também excelente “Beneath the Remains“, que apesar de ser bem rápido, era mais cru e tinha uma sonoridade mais voltada ao Thrash Metal alemão. E com todo o apoio da Roadrunner, esperava-se que a banda ultrapassasse novamente seus limites, o que não era uma tarefa difícil para aqueles quatro caras.
Assim, a banda se reuniu novamente com o produtor Scott Burns e trocava o “No Ar”, estúdio no Rio de Janeiro pelo icônico “Morrisound”, na Flórida. O produtor se sentiu aliviado, pois sua passagem pela cidade maravilhosa não foi lá muito agradável, pois ele teve seus pertences roubados, e desta vez estaria em casa. Max Cavalera conta em sua autobiografia, “My Bloody Roots”, que as duas primeiras músicas a serem compostas para a bolacha foram “Murder” e “Dead Embryonic Cells”.
Se no processo de gravação tudo correu bem, o mesmo não se pode falar da mixagem. Monte Conner, então executivo da Roadrunner, afirma no mesmo livro de Max que não gostou do resultado final dos takes, pois achou muito cru. Ele decidiu então contratar um então desconhecido Andy Wallace, para refazer todo o trabalho de mixagem. Conner fez isso à revelia da banda e o caldo quase entornou, pois os caras se sentiram traídos, uma vez que estavam em turnê pela América do Sul e não tiveram qualquer acesso às conversas entre Conner e Andy Wallace, bem como às mudanças que se eternizaram ao final da mixagem.
Todavia, quando se depararam com o resultado da mixagem, ficaram aliviados, pois Andy conseguiu melhorar ainda mais o trampo feito nas gravações. E um ano depois, a banda admitiu que o executivo havia tomado a decisão certa, tanto que Andy se tornaria o produtor do disco posterior, “Chaos A.D“. Assim sendo, vamos destrinchar cada faixa deste play que é simplesmente uma obra prima do Heavy Metal nacional.
Apertando o play, temos o início fenomenal com “Arise“, a faixa título, que tem uma intro medonha, mas os riffs velozes que levam a música do início ao fim valem a pena de fato. Todo o clima da música gira em torno do caos e do fim do mundo, e as guitarras de Max e Andreas conseguem isso com perfeição. Naquele momento, eles eram uma das duplas mais afiadas do Heavy Metal e se nós os apontarmos como a mais afiada, não é nenhum absurdo.
“Dead Embryonic Cells” é rápida, não tanto quanto a música de abertura, mas é clássica e mostra a versatilidade da banda em alternar passagens rápidas e mais cadenciadas, bem trabalhadas. Juntamente com a faixa anterior, essa é uma das poucas músicas ainda tocadas ao vivo pela atual formação do Sepultura. Na época da tour do “Roots“, a banda fazia um medley, tocando “Arise” até a parte anterior ao solo e emendando com a estrofe final e o refrão de “Dead Embryonic“, Esta foi a segunda música composta para o álbum e curiosamente foi escolhida como a segunda música do tracklist.
“Desperate Cry” é uma das minhas músicas favoritas de toda a carreira da banda. Tem aquela intro linda, tocada por Andreas no violão e aquele clima denso, pesado, com Iggor Cavalera quebrando tudo do início ao fim. Tenho pena dos bateristas que ocuparam seu lugar pelo esforço que precisam fazer para tocar essa música ao vivo. Os veteranos do Korzus regravaram esta música anos mais tarde, que ficou igualmente linda, como a versão original.
A faixa quatro traz de volta a velocidade. “Murder”, como dito no início deste texto, foi a primeia música a ser composta para este disco e ela é simplesmente maravilhosa. E fala da violência e das notícias que eram veiculadas nas rádios sobre os assassinatos. Fora escrita em 1991, mas segue atual, com a simples diferença de que hoje as mortes são divulgadas nos sites. Excelente. Em “Subtraction“, a banda não tira o pé do acelerador, com uma sutil mudança no andamento da música em seu refrão, mas depois volta a quebradeira. Essa faixa bem que poderia fazer parte do “Beneath the Remains“, tamanha a sua semelhança com o clima daquele álbum. Até então, tudo perfeito neste disco.
Se em 1996, o mundo inteiro ficou estupefato com o fato de a banda ter feito algo inédito,que era misturar as batidas tribais brasileiras com o peso do Thrash e do Groove Metal, tudo tem um começo aqui em “Altered State“. As primeiras sementes que a banda começava a cultivar de um som mais original. Nos anos 90 já era difícil produzir algo 100% original, mas estes caras queriam somente quebrar barreiras e fazendo boa música. E na introdução, temos algo bem brasileiro, ainda que de forma bem tímida, mas que só foi compreendida anos depois. A música se desenvolve em um ritmo mais cadenciado, com riffs brutais e pesados, ficando mais rápida no seu refrão. Iggor Cavalera também faz bonito em seu bumbo duplo.
“Under Siege (Regnum Iraw)” tem uma intro bem comprida e com algumas semelhanças do que a banda usaria na faixa “Amen“, de “Chaos A.D.”, mas a música em si é muito boa também, com partes mais core, um flerte com o que se tornaria Groove e muito peso e densidade. É a música menos Thrash Metal do disco, mas nem isso a transforma em música ruim, pelo contrário, ela é maravilhosa do jeito que é. “Meaningless Movements” traz de volta a velocidade, direta e reta onde as guitarras protagonizam um duelo interessante com os pratos de Iggor. Uma pequena quebra no andamento na parte do solo, mas a quebra é breve, pois logo a pancadaria retorna. Bela música
“Infected Voice” é a música que fecha a versão original do LP e mantém a mesma pegada da música anterior: velocidade da luz, alguma mudança no andamento pelo meio da música e o retorno triunfal no final com um solo arrebatador de Andreas Kisser e tome mais velocidade e rispidez, lembrando bastante o Kreator do início da carreira. Difícil fazer uma lista com as melhores músicas deste disco, mas incluo esta em um hipotético top 3.
O cover para “Orgasmatron” do eterno Motörhead entrou como bônus do CD e por incrível que pareça banda conseguiu melhorar o que já era perfeito. Digo na parte instrumental, que ficou absurdamente maravilhosa, já que a pronúncia de Max aqui não é das melhores e isso era alvo de críticas do próprio Lemmy Kilmster. Mas a versão virou um hino e era sempre a música que encerrava os shows enquanto Max esteve na banda e hoje é completamente ignorada.
Acerca deste cover, Max disse que bebeu meia garrafa de Rum antes de entrar no estúdio para gravar e que fez isso porque na sua cabeça tinha de ser como Lemmy fazia. E disse que no dia seguinte à gravação, teve uma ressaca violenta e que nas fotos de divulgação que foram feitas neste dia, ele aparece com os olhos fechados, tamanha era a sua dor de cabeça.
Há uma versão do álbum lançada às pressas, poucos dias antes da participação do Sepultura no Rock in Rio e que infelizmente não conta com “Orgasmatron”. Foram poucas cópias, que hoje são itens raros. Quem os têm, não vende e se for vender, exigirá uma quantia que o comprador não terá disponível.
Em uma versão do disco lançada anos mais tarde, temos ainda duas faixas bônus: uma instrumental que era executada pela banda no início das apresentações durante a turnê do “Arise” e uma última faixa, chamada “C.I.U.” (Criminals in Uniform), uma boa música, mas que não é tão rápida quanto as músicas que entraram originalmente no disco. Não compromete e dá para escutar de boa.
Foi neste disco que houve a famosa treta entre o Sepultura e o Slayer, alimentada pela imprensa e pelos fãs, que acusavam os brasileiros de copiarem o som da banda de Kerry King e Cia, fato este que foi mais alimentado pela imprensa e pelos fãs do que pelas bandas envolvidas. Mas que nesta época, o som do Sepultura carregava, sim, uma forte influência do Slayer, isso é fato, mas quem se importa? Quando a fonte é boa, pode-se beber daquela água sem qualquer problema. E preciso afirmar aqui que não se trata de cópia e sim, de influências.
Em janeiro, dois meses antes do lançamento oficial de “Arise”, o Sepultura tocou na noite do Metal no Rock in Rio 2, no estádio do Maracanã, em noite que a organização cometeu o equívoco de colocar Lobão para tocar depois do quarteto arrebentar no palco e deu no que deu… Para quem não sabe, ou não se lembra, o cantor brasileiro mal tocou duas músicas e foi expulso com garrafadas por headbangers ávidos (e um tanto quanto mal educados) por música pesada. Pouco antes dessa memorável apresentação, uma prensagem às pressas do então vindouro álbum foi providenciada, afim de promover a banda, então desconhecida do público que frequenta o Rock in Rio.
Alguns fatos interessantes (e outros lamentáveis) aconteceram na turnê deste disco, como o primeiro encontro do Sepultura com o Motörhead e o fato de Lemmy não ter autorizado que a banda tocasse “Orgasmatron” ao vivo. E pelo jeito, os caras ignoraram a recusa de Lemmy; o momento em que a banda conheceu o astro do futebol Pelé, nos EUA; a famosa história de Max Cavalera, no momento brasileiro sem noção pelo mundo, bêbado, vomitou em cima do vocalista do Pearl Jam, Eddie Vedder, enquanto pedia autógrafo para a sua irmã; O triste assassinato de um espectador durante apresentação que o quarteto realizou do lado de fora do estádio do Pacaembu, em São Paulo, no qual a imprensa não especializada simplesmente distorceu os fatos, associando a imagem violenta à banda e aos fãs, coisa que nós sabemos que NÃO É VERDADE!
A turnê se iniciou logo que a banda terminou as sessões de gravações, quando fizeram shows com o Obituary pelos Estados Unidos. Depois da passagem pelo Brasil, a banda rumou para turnê mundial que teve a maior duração até aquele momento, que perdurou até o final do ano de 1992. Pela Europa, o Sepultura tocou com o Sacred Reich e o Heathen, na América do Norte, tocou com o Napalm Death e o Sick of It All. Ainda teve espaço para atuar como banda de abertura de ninguém mais, ninguém menos que Ozzy Osbourne, que em 1992 divulgava seu álbum de maior sucesso comercial, o aclamado “No More Tears”.
Durante a tour pela Europa, os caras registraram uma apresentação em Barcelona, que depois virou um vídeo, o primeiro oficial que a banda lançava, “Under Siege“, que além de trazer a banda executando seus clássicos em cima do palco, traz também entrevistas com os integrantes. Muito interessante e se você não viu, vale a pena correr atrás.
“Arise” marca também a estreia do Sepultura na “Billboard 200“, ao figurar na 119ª posição do chart estadunidense. O álbum ficou em 24° lugar na Suíça, 25° na Alemanha, 40° no Reino Unido, 46° na Suécia e 68° nos Países Baixos. Em 1992, a banda foi premiada com Disco de Ouro na Indonésia e em 2001, ganhou o Disco de Prata no Reino Unido. É um dos discos catalogados pelo autor Robert Dimery em seu livro “Os 1001 Discos Que Você Precisa Ouvir Antes de Morrer” (2012), também foi citado na lista dos “500 Maiores Álbuns de Heavy Metal de Todos os Tempos” (2004), pelo autor Martin Poppof, na honrosa 67ª posição e a Kerrang! classificou nosso aniversariante do dia na 7ª posição dentre os melhores discos lançados naquele ano de 1991. A concorrência era grande e o Grunge estava emergindo na cena, mas os brasileiros fizeram bonito.
Quanto a minha relação com este álbum, é muito especial, foi um dos primeiros discos de Metal que eu adquiri. Na verdade, o Sepultura foi a primeira banda de Metal que eu me tornei fã e tudo que remete à formação clássica me fascina. Antes de ter o CD físico, eu gravei em fita cassete e escutava muito no walkman (N. do R: a galeta com menos de 35 anos jamais saberá o que é isso) e embora eu tenha mais amor pelo “Chaos A.D.”, eu também sou fascinado pelas músicas velozes de “Arise“, porém, coloco os dois na mesma prateleira.
Eu me orgulho de ter a oportunidade de fazer uma crônica sobre um disco que eu cresci escutando e que certamente irei envelhecer escutando. A banda evoluiu tecnicamente, ajudou a criar um novo estilo dentro do Metal, foi uma das bandas que comandou o estilo nos anos 90, mas nada aconteceria não fosse o “Arise“. Então hoje é dia de celebrar seus 32 anos de existência. Aqui nós não vamos falar de falsas expectativas quanto a um retorno da formação clássica, realmente não tem a menor necessidade disso. A história está aí, muito bem escrita por todos e como dissemos lá no início deste texto, quando a gente quiser ver essas músicas tocadas ao vivo, basta esperar uma tour de Max e Iggor. Eles realmente não decepcionam.
Arise – Sepultura
Data de lançamento: 25/03/1991
Gravadora: Roadrunner
Faixas:
01 – Arise
02 – Dead Embryonic Cells
03 – Desperate Cry
04 – Murder
05 – Subtraction
06 – Altered State
07 – Under Siege
08 – Meaningless Movements
09 – Infected Voice
Bônus Tracks:
10 – Orgasmatron
11 – Intro
12 – C.I.U. (Criminals in Uniform)
Formação:
Max Cavalera – Vocal/ Guitarra base
Iggor Cavalera – Bateria e Percussão
Andreas Kisser – Guitarra e Violão
Paulo Júnior – Baixo (??)
Nota: embora creditado, é de conhecimento geral que Paulo Júnior, atual Paulo Xisto só passou a gravar suas partes de baixo a partir do álbum posterior, “Chaos A.D.” (1993). Max Cavalera fez questão de explicitar esse fato em sua autobiografia, “My Bloody Roots”, dizendo que ele e Andreas Kisser se revezavam nas gravações do baixo. Ao que consta, Paulo teria gravado ao longo dos anos apenas um trecho ao final da faixa “Stronger Than Hate”, do álbum “Beneath the Remains”.