8 de dezembro é um dia tenebroso para o Rock em geral. No ano de 1980, John Lennon foi covardemente assassinado por um “fã” na porta de seu condomínio. Em 2004, foi a vez de Dimebag Darrell ser assassinado em cima do palco por um lunático que resolveu culpar os irmãos Abott pelo fim do Pantera. E na mesma data, agora em 2023, o Sepultura anunciou sua turnê de despedida.
É difícil para o ser humano lidar com o fim das coisas. O fim de um relacionamento, o fim da vida, o fim de uma amizade, o fim de uma banda. Quantas bandas importantes já encerraram suas respectivas carreiras, seja de forma voluntária ou involuntária? O caro leitor certamente estará compilando uma lista ao ler esse questionamento. São muitas as bandas que não conseguimos assistir ao vivo por alguma razão ou mesmo alguma banda que já testemunhamos, mas que resolveram encerrar as atividades? O Sepultura acaba de entrar para esse rol.
Alguns viram a banda lá nos primórdios, ainda com o Wagner Antichrist como vocalista. Outros já viram a chamada formação clássica, tendo os irmãos Cavalera, Andreas Kisser e Paulo Xisto. Outros viram a formação atual. Alguns mais velhos, como este humilde redator que vos escreve, viram tanto a formação clássica quanto esta derradeira. O Sepultura, ao longo dos seus 40 anos, se tornou uma banda necessária. Todo headbanger brasileiro tem a obrigação de ter assistido a banda pelo menos uma vez na vida. Se você ainda não o viu, terá a chance única de fazê-lo agora. A banda estará tocando pelos próximos 18 meses, a partir de março de 2024.
O Sepultura, apesar de ser o artista brasileiro mais bem sucedido no planeta, tem uma base de fãs bastante dividida. Há os mais radicais, que consideram apenas os primeiros lançamentos, “Bestial Devastation” e “Morbid Visions“; existem também aqueles que acham que o auge foi no “Arise” e que nada mais produzido a partir dali tem alguma serventia. Este redator nunca escondeu de ninguém que é uma viúva dos irmãos Cavalera, mas considera “Chaos A.D.” e “Roots” as grandes obras-primas do Sepultura. Foi ali que a banda passou a se destacar, colocando elementos da música brasileira, que casaram perfeitamente no Groove Metal que eles adotavam como nova direção. E há os fãs que chegam até a desdenhar do criador disso tudo, Max Cavalera, preferindo a fase atual, que sim, é mais técnica, mas bem distante daquilo que colocou a banda no auge.
Não devemos usar a hipótese no passado histórico, pois dificilmente saberíamos o que iria acontecer, a não ser o que de fato aconteceu. Mas a verdade é que em 1996, o Sepultura estava crescendo de maneira desenfreada. Porém, os integrantes estavam no olho do furacão, não souberam segurar a onda. O próprio Andreas afirmou recentemente no podcast Superplá, de João Gordo, que faltou tato, diálogo entre os músicos. Perderam a chance de virar o novo Metallica. O posto estava vago, pois a banda de James Hetfield e Lars Ulrich estava se afastando do Heavy Metal e o Sepultura era a bola da vez. Não foi. A banda implodiu quando estava no auge.
Eles se reergueram. Hoje, Derrick Green já está na banda há mais tempo do que os irmãos, que criaram e levaram o nome Sepultura para o mundo. Em 1988, Max Cavalera pegou algumas cópias dos LPs lançados pelo Sepultura no Brasil pela Cogumelo e rumou para os Estados Unidos em busca de uma oportunidade. Voltou de lá com contrato com a Roadrunner. A mesma Roadrunner que fez o Sepultura brilhar, a mesma Roadrunner que não quis Derrick Green no lugar de Max. A banda peitou e ele está até hoje no posto.
Não há dúvidas de que a formação atual, ainda que mais por conta das habilidades de Andreas Kisser e Eloy Casagrande, é mais técnica do que outras formações que o Sepultura teve. Porém, todas as fases foram importantes. E apesar de “Quadra” ter sido aclamado por boa parte das pessoas, é tocando as músicas antigas que o Sepultura levanta até defunto nos shows que faz. E ninguém tem dúvidas de que será diferente durante esta turnê de despedida.
Eu virei fã do Sepultura no ano de 1994 e muito por conta de uma fita cassete que uma garota, de quem eu era afim, me emprestou. A fita tinha Pearl Jam no lado A e Sepultura no lado B e na época, meu interesse era na banda de Eddie Vedder. Até que um dia eu resolvi colocar o lado do Sepultura para ouvir. As batidas do coração do pequeno Zyon, sucedidas das batidas tribais de Igor Cavalera, anunciando a clássica “Refuse/Resist“, mudaram a minha vida. O álbum “Chaos A.D.” moldou meu caráter e até hoje é meu álbum favorito da banda. Um dos primeiros CDs que comprei na vida. Em 1996, eu era um dos que testemunharam o último show com a formação clássica, no Rio de Janeiro. Dali, eles embarcaram para Londres, quando tocaram na Brixton Academy e ali, comunicaram a Max que Glória Cavalera, então empresária, estava fora. Sentindo-se traído, ele também saiu da banda. E qualquer um no lugar dele faria o mesmo. Ou talvez demitiria a todos e montaria um novo Sepultura.
O anúncio da despedida pegou a maioria das pessoas de surpresa, mas uma grande pista havia sido deixada recentemente por Andreas Kisser: ele afirmou que a banda não lançaria novos discos por algum tempo. Como assim? A banda estava colhendo os frutos do álbum “Quadra” e tudo indicava que eles poderiam logo providenciar o sucessor. Derrick Green havia até falado em compôr uma balada para um hipotético novo disco, o que para alguns seria uma heresia, principalmente vindo de uma banda que fazia músicas falando de satanás, lá no começo. Mas o sentimento é agridoce. Por mais que o Sepultura seja bem diferente daquele dos anos 1990, é a maior banda de Heavy Metal já surgida no Brasil. Guardadas as proporções, é o nosso Black Sabbath.
Talvez a morte da Patrícia Kisser tenha influenciado na decisão, talvez os anos de estrada tenham pesado, talvez a possibilidade de uma reunião com os irmãos esteja sendo cogitada para o futuro. São tantas dúvidas, que só lá na frente saberemos se de fato é o fim ou apenas uma pausa. Eles só não mereciam ter a notícia da despedida vazada por alguém sem nenhum escrúpulo e/ou compromisso com o jornalismo. Mas o Sepultura é maior do que tudo isso. Quantos que hoje tocam algum instrumento, viram na banda a sua inspiração.
40 anos de estrada, 15 álbuns, uma legião de fãs mundo afora. E diante da despedida iminente, só temos uma palavra a dizer: muito obrigado, Sepultura. Obrigado por honrar as cores do Brasil. Obrigado por se posicionar do lado certo da história (músicas como “Manifest” e “Dictatorshit” são bem explícitas). Obrigado por transformar muitos de nós em headbangers. Obrigado por mostrar ao mundo que musicalmente, o Brasil é mais que samba e bossa nova. Obrigado por existirem. Obrigado. E obrigado mais uma vez!