Em 1994, o mundo era completamente diferente deste que vivemos hoje: o CD era a principal mídia de música, embora a galera das fitinhas cassete ainda valorizava essa modalidade. Ainda não existia internet, nem ameaça fascista; o mundo vivia a paz com o fim da Guerra Fria e no esporte, o Brasil voltava a conquistar a Copa do Mundo após 24 anos, e todos choravam a morte trágica de Ayrton Senna. O Plano Real chegava com igualdade de condições com o dólar e nos dava uma boa expectativa com a nossa economia e poder de compra. Na música, Kurt Cobain havia se suicidado, o movimento grunge perdia forças e quem dava as cartas no Metal eram o Sepultura e o Pantera. Porém, neste ano de tantos acontecimentos, o Slayer lançava “Divine Intervention“, o sexto full-lenght e é o assunto do nosso Memory Remains desta segunda-feira.
Antes de mais nada, precisamos esclarecer que há uma controvérsia acerca da data de lançamento deste play: alguns sites e páginas nas redes sociais consideram o lançamento como sendo dia 7 de setembro, porém, a verdadeira data de lançamento deste play é 27 de setembro. Eu mesmo utilizava a data do feriado de independência do nosso país para celebrar o lançamento de “Divine Intervention“, porém, neste ano eu estou corrigindo o meu erro e fazendo-o na data correta, de acordo com fontes fiáveis.
Resolvida a questão da data comemorativa, vamos ao que interessa, que é contar a história deste play: a banda vinha de seu período mais frutífero, que começou com “Reign in Blood“, lançado em 1986, até “Seasons in the Abyss“, lançado em 1990, tendo “South of Heaven” no meio. Foram três álbuns diferentes entre si, mas que se completam. E por isso, a banda precisava fazer algo novo.
Somado a isso, O Slayer sofreu uma baixa: o baterista Dave Lombardo havia deixado a banda devido a divergências com os demais integrantes. Entre uma destas divergências eta o fato de que o baterista queria levar a sua esposa para as turnês. Então, Dave fundou o Grip Inc., que não teve vida longa e mais tarde ele acabou retornando à banda, saindo alguns anos mais tarde, depois de novas discordâncias, desta vez, financeiras. E para seu lugar, a banda recrutou Paul Bostaph, que tocava no Forbidden. E Paul seria o cara que formaria o lineup final da banda.
O processo de produção de “Divine Intervention” foi um tanto quanto problemático: a gravadora queria que a banda apresentasse uma canção que pudesse se tornar um hit, mas esbarrava no fato de que o Slayer havia escrito letras, inspiradas nos programas de TV estadunidenses, citando serial killer. E as rádios conservadoras iriam certamente se negar a tocar tais músicas. Porém, os caras não afinaram, como disse Tom Araya:
“Os executivos da gravadora sentaram conosco e nos venderam a ideia de como eles queriam que soasse o disco e de como seria a arte da capa. Todas essas ideias eram diferentes para o álbum, então um desses caras nos olhou e disse: ‘Mas nós precisamos de hum hit’. Nós respondemos: ‘fizemos onze músicas e se você não puder achar um hit em uma delas, estará ferrado, pois isso é o que estamos entregando à vocês.”
E eles poderiam meter essa “bronca”. afinal de contas, não era uma banda qualquer, era o Slayer, um dos expoentes do Thrash Metal, com discos simplesmente maravilhosos e uma legião de fãs em todo o mundo. Então, a banda adentrou ao estúdio “Ocenway“, em Los Angeles, na companhia do produtor Toby Wright.
O resultado, em termos sonoros, foi surpreendente: assim como em “South of Heaven“, há uma freada nas músicas velozes. Elas ainda estão presentes, mas são menos rápidas do que as que estão registradas em “Seasons in the Abyss“. Porém, aqui a banda apostou em composições bem mais elaboradas, podemos dizer que é o álbum mais técnico da carreira do Slayer. E vamos destrinchar música por música abaixo.
Tim Tronckoe
A abertura se dá com uma virada espetacular do estreante Paul Bostaph, dando seu cartão de visitas, em “Killing Fields“, em que logo os riffs intrínsecos da dupla Kerry King e Jeff Hanneman ditam as regras em uma música em que o andamento é bem cadenciado. É uma música bem raivosa e que serve muito bem como abertura de um álbum.
“Sex, Murder, Art” é mais rápida e nos remete à músicas da era “South of Heaven“. A mesma levada, riffs e baterias bem parecidas, com uma virada diferente aqui e acolá. É curta e direta, com 1 minuto e 50 segundos, sendo a mais curta do disco. E boa demais. “Fictional Reality” é bem trampada, com riffs bem complexos em se tratando de Slayer. Ela fica um pouco mais rápida no refrão. Excelente.
Agora temos aqui a música favorita deste redator que vos escreve: “Dittohead“. Essa poderia perfeitamente estar registrada no “Reign in Blood” sem problemas. Foi uma das primeiras músicas da banda que eu escutei e logo de cara eu pirei. Lembro me que assistia ao clip desta música com os amigos, nos idos dos anos 1990 e quando iríamos nos referir à essa música, chamávamos-na de “corrida de cavalo”, dada a velocidade em que Tom Araya canta, fazendo parecer de fato com um locutor do Jóquei Clube. Sem falar nos riffs hipnóticos, viradas mais que espetaculares de Paul Bostaph, que chegava para dar um novo fôlego.
Uma longa introdução aponta a chegada da faixa título, uma música densa, pesada e com um andamento bem arrastadão, com Tom Araya cantando com muita raiva. E um solo bem trabalhado é o destaque da música. “Circle of Beliefs” já mostra uma sonoridade em que o Slayer iria aprimorar dali em diante. Um Thrash Metal moderno, em que partes rápidas se alternam com as partes mais arrastadas e com Paul Bostaph dando seu show, incluindo uma virada animal sempre que lhe dão espaço.
“SS-3” traz um Slayer mais arrastadão na primeira parte, embora os bumbos de Paul Bostaph “destoem” deste andamento, mas logo o resto da banda entende e a música vira uma quebradeira total do meio para o final, se tornando uma das minhas favoritas deste play. Que paulada violenta nos nossos ouvidos essa música.
“Serenity in Murder” começa bem ao estilo do Slayer, rápida e agressiva, com uma pequena mudança de andamento em que Tom Araya canta de forma estranha, mas logo as coisas voltam ao normal e a pancadaria toma conta de tudo novamente. excelente faixa. “213” tem uma intro longa com algumas mudanças, mas quando entram os vocais de Tom Araya temos uma música com riffs muito bons, com peso e bastante densa. Em alguns momentos, o andamento desta lembra o mesmo da faixa “Seasons in the Abyss“.
“Mind Control” chega rápida, certeira e agressiva, fechando um disco muito bom e que não tem uma música ruim, em pouco mais de 36 minutos. Realmente valeu a pena esperar por 4 anos para ter um material de tão boa qualidade em mãos.
“Divine Intervention“, com seus 36 minutos de duração, não supera os três lançamentos anteriores da banda, que são consideradas como a “santíssima trindade”, porém, como dito no parágrafo acima, trata-se de um disco sem uma música ruim, o que lhe dá um status de excelente. O álbum chegou ao 8º lugar na “Billboard 200“. Se fez sucesso nas paradas americanas, em contrapartida, o mesmo foi banido da Alemanha, por conta do conteúdo das letras de músicas como “SS-3“, “Serenity in Murder“, “213” e “Mind Control“, com a banda sendo acusada de nazista por ter escrito tais músicas. Nazistas eles não são e nem nunca foram, mas depois de algum tempo, Tom Araya principalmente se revelaria um reaça de marca maior.
E assim temos um álbum que envelhece bem e uma pena que não temos mais o Slayer entre nós. Quem viu, viu. E este redator que vos escreve teve a honra de presenciar o último show da banda, na edição de 2019 do Rock in Rio, no mundo pré-pandemia onde todos podíamos andar e nos aglomerar por aí sem medo de nos infectarmos por um vírus mortal, negado por alguns fascistas de plantão e foi simplesmente matador. Uma pena que não incluíram nenhuma música deste play na apresentação. Mas fica aqui a nossa homenagem a este play, que deve ser exaltado todos os dias e escutado no volume máximo.
Slayer – Divine Intervention
Data de lançamento – 27/09/1994
Gravadora – American Recordings
Faixas:
01 – Killing Fields
02 – Sex, Murder, Art
03 – Fictional Reality
04 – Dittohead
05 – Divine Intervention
06 – Circle of Beliefs
07 – SS-3
08 – Serenity in Murder
09 – 213
10 – Mind Control
Formação:
Tom Araya – Baixo/ Vocal
Kerry King – Guitarra
Jeff Hanneman – Guitarra
Paul Bostaph – Bateria