Em 21 de abril de 1998 uma nova banda iniciaria oficialmente: o Soulfly. E esta se formou através de uma tragédia, vamos assim dizer. O Sepultura vivia uma grande fase e com certeza engoliria o Metallica na posição de maior banda do Metal naqueles anos 1990, porém, durante o ano de 1996, o assassinato de Dana Wells, enteado de Max Cavalera e homenageado neste play, e a posterior demissão da empresária e esposa do vocalista e guitarrista, Glória Cavalera, causaram a saída do frontman.
Max não se abalou, muito pelo contrário, se encheu de ódio e montou um grupo 2/3 brasileiro: recrutou o baixista Marcelo D. Rapp, ou o Rapadura, que trabalhou anos como engenheiro de iluminação do Sepultura; pegou o guitarrista Lúcio Maia, que havia se destacado com Chico Science & Nação Zumbi e a baterista ficou com o “gringo” Roy Mayorga.
Banda montada, os caras ensaiaram o repertório e foram ao escritório da “Roadrunner Records” apresentar o novo projeto que foi aprovado imediatamente pelo então CEO, Monte Conner, e todos foram ao estúdio “Indigo Ranch”, em Malibu, Califórnia, sob a batuta de Ross Robinson. Sim, mesmo estúdio e mesmo produtor de “Roots”, o derradeiro álbum do Sepultura.
O álbum de estreia do Soulfly embora muito experimental, é o mais próximo do que seria o sucessor do aclamado “Roots”. E a certeza de tal afirmação é por exemplo, as faixas “Tribe” e “First Commandment” nasceram durante a tour do último álbum do Sepultura com Max e de jam sessions durante a tour deste play, respectivamente. Então, bem provável que o que virou “Against”, fosse muito do que temos aqui no aniversariante do dia.
Max Cavalera conta em sua autobiografia “My Bloody Roots” que a ideia não era fazer do Soulfly uma banda, como de fato ela hoje o é. Ele queria mudar os integrantes de tempos em tempos e fazer coisas diferentes. De fato isso aconteceu durante um certo tempo, mas hoje a banda está consolidada e com uma formação fixa. Ele conta ainda que o nome da banda veio de uma composição que ele fez com os caras do Deftones, um ano antes.
No mesmo livro, Max também fala sobre como o produtor Ross Robinson o convenceu a mudar o primeiro verso da música “Eye for an Eye”, que originalmente dizia “Roubaram o que eu criei, brincando com meu destino, integridade não é um jogo”, eis que o produtor perguntou se era aquilo mesmo que ele queria dizer ao irmão, então o frontman mudou para o que encontramos na versão que está na bolacha: “Eu sou o que crio, acredito no meu destino, integridade é o meu nome”. Vamos sem mais delongas destrinchar faixa por faixa deste play:
“Eye for an Eye”, a faixa citada no parágrafo acima, é ódio puro, em forma de música. Em uma das letras que Max trata diretamente da sua saída do Sepultura. Com a afinação mais baixa, o que seria uma característica do estilo que a maior lenda do Metal brasileiro ajudou a disseminar, é de um peso infernal e um ótimo começo, mesmo que ela tenha sido movida por um ódio que o cara passava naquele momento. E a grooveada no refrão é magnífica. “No Hope = No Fear” tem riffs ótimos em sua introdução, mas a música se perde nas estrofes, onde Max adota um vocal rappeado, típico das bandas de New Metal e isso não me agrada nem um pouco. Mas por sorte os riffs nervosos e o Groove da introdução voltam nos refrãos. E o fim da música, chato, quase colocam tudo a perder.
“Bleed”, música que Max compôs para Dana Wells, seu enteado que foi assassinado enquanto ele estava para fazer uma apresentação com o Sepultura no festival “Monsters of Rock”, em 1996. É raivosa, com riffs muito bons e uma batida excelente, embora ali não seja seu irmão, Igor. Aí um pequeno trecho da música quase coloca tudo a perder, com a performance de Fred Durst (Limp Bizkit), colocando um pouco da sua falta de talento e o vocal de rap no meio. Mas é por pouco tempo, logo a quebradeira retorna e temos até berimbaus e garrafas sendo tocadas junto aos riffs de Max. Boa música, mas tentaram estragar. “Tribe” chega e o ouvinte pensa que a gravadora colocou um ponto de macumba no disco errado, mas não, era Max colocando a sua religião no disco, ao menos na introdução. E a música se desenvolve, embora se pareça apenas uma cópia do que o próprio frontman estava mais que envolvido, que era a miséria do New Metal, ao menos aqui ele inclui a batucada afro-brasileira, o que diferenciava um pouco a sonoridade do Soulfly em relação às outras chatas bandas que ele estava ouvindo, influenciando e sendo influenciado.
Carlos Pupo/Headbangers News
“Bumba” traz muito psicodelismo, aliado com peso, em uma música que soa estranha, mas até que eu curto essa coisa estranha. E o refrão gruda na sua cabeça. As batidas fortes o côro gritando “Bumba! Bumba”. “First Commandment” é outra faixa que é dedicada ao enteado de Max. É uma música bem complexa, muito raivosa, mas com umas batidas aqui e acolá. Tem muito da influência de bandas que o frontman e idealizador da banda curte, como o Discharge, por exemplo. É boa, com exceção do seu final, tendo muita coisa desconexa.
“Bumbklaat” traz de volta o mesmo feeling que a faixa de abertura, o ódio puro em forma de música. Com um andamento um pouco diferente, esta aposta em bons riffs de guitarra e um ótimo trabalho do baterista Roy Mayorga. Aí chega a faixa que leva o nome da banda e que Max sempre incluiria uma faixa com o mesmo nome nos discos que o seguiriam. Aqui temos umas batidas tribais que lembram um pouco a “Planet Caravan”, do Black Sabbath, com a psicodelismo do guitarrista Lucio Maia. Em entrevista, Max afirmou que essa faixa era uma homenagem a seu pai. Ele que nunca superou a perda de sua figura paterna.
E vem o inusitado, para não dizer pitoresco, cover para “Umababaruma,” de Jorge Ben Jor. Aqui ela ganhou uma versão de rock setentista. Na época, a mídia especializada desceu a lenha em Max. Eu não vou dizer que é ruim, mas se tiver de comparar, eu prefiro a versão que o Little Quali and The Mad Birds fez para a mesma faixa, dois anos antes, que ficou mais Punk e com um andamento mais rápido. Mas dá pra passar essa daqui. “Quilombo” é a bola da vez e é uma música bem chatinha, em que Max mais uma vez usa e abusa do lado monótono do New Metal. O final tem uns riffs que muito lembram a música “Breed Appart”, do “Roots”. Por sorte ela não é longa.
E por sorte também, “Fire”, a faixa que segue é muito boa, direta e reta, com direito a quebradeira Groove no refrão e a macumba ganhando espaço mais uma vez ao final, quase colocando tudo a perder. “The Song Remains Insane” é uma verdadeira zona, no bom sentido da palavra: primeiro tem a reprodução da notícia da prisão de Max Cavalera em 1994, por suposta contravenção penal, no programa A Voz do Brasil, que passa em todas as rádios, obrigatoriamente, às 19 hs. Explicando, ele exibiu em um show que fez por aqui, uma bandeira do Brasil com o S tribal, representando a logo da banda. Voltando a música aqui em questão, a zona prossegue com ele incluindo parte da letra de “Caos”, do Ratos de Porão, metendo no meio parte da letra de “Attitude”, do “Roots”. E com a sonoridade do Discharge novamente. Essa zona toda deu resultado e ficou uma música raivosa e boa.
E a bolacha prossegue com “No”, trazendo mais raiva e peso, ainda, obviamente, soando um pouco como sua banda anterior, o que é justificável, enquanto que “Prejudice” só se aproveita a parte em que as guitarras estão em ação, porque na parte cantada por Benji a música é simplesmente um horror. “Karmageddon” é de uma chatice que dura quase quatro minutos e aqui é só barulho desconexo. E aí final, um ponto de macumba, chamada “Sultão das Matas“, só para não perder a prática. E essas duas músicas desprezíveis fecham a versão “normal” do álbum.
Mas o redator que vos escreve tem a versão com três faixa bônus, que fecham este álbum com chave de ouro: “Cangaceiro”, cantada em português e que é uma ode a Virgulino Ferreira, o Lampião, que é um sonzaço direto, me arrisco a dizer, o melhor do play. E o final com duas pauladas na orelha que são os covers do Discharge, citado algumas vezes neste texto como influencia de alguns trechos deste álbum: “Ain’t No Feeble Bastard” e “The possibility of Lives Destruction”, tendo a primeira uma pegada Punk bem legal e a segunda, raivosa ao extremo, fechando muito bem o álbum de estreia da nova banda de Max Cavalera.
Enfim, temos em mais de 71 minutos, bastante longo e por vezes cansativo, mas de suma importância, pois ali Max se reinventava e começava a escrever a história do que hoje é a sua banda. O álbum de estreia tem seus altos e baixos e depois ele caiu em si de que a inclusão dessa brasilidade iria soar repetitiva e ele concentraria seus esforços no que ele faria de melhor: riffs matadores e muito Thrash Metal. E “Soulfly”, o aniversariante do dia, foi o pontapé inicial. Em 2005, o play foi certificado com disco de ouro pela RIAA.
Infelizmente durante a tour deste play, quando passou pelo Brasil, Max acabou brigando com seu outrora grande amigo, João Gordo e a amizade nunca mais foi a mesma. Mas anos depois ele acabaria se reconciliando com seu irmão e fazendo o Cavalera’s Conspiracy, e melhor do que isso, seu filho, Zyon se tornaria um baterista dos bons e assumiria o posto na banda e está tocando atualmente com o pai. O moleque que teve suas batidas cardíacas registradas na introdução de “Refuse/Resist”, do álbum “Chaos A.D”, do já longínquo ano de 1993.
Então já que estamos de quarentena, vamos escutar um dos aniversariantes do dia e desejar uma longa vida não só ao Soulfly, bem como a essa que é a maior lenda do Heavy Metal nacional: Max Cavalera, que recentemente foi clicado praparando um churrasco em sua casa, no Arizona. Que ele tenha saúde e vigor para levar adiante não só a sua banda principal, mas como os seus inúmeros projetos paralelos. Aproveite para curtir esse petrardo, se puder, fique em casa, pois nós da HEADBANGERS NEWS estamos empenhados em produzir o melhor conteúdo para que você fique por dentro de tudo que ocorre na cena.
Soulfly – Soulfly
Data de lançamento: 21/04/1998
Gravadora: Roadrunner
Faixas:
01 – Eye for an Eye
02 – No Hope = No Fear
03 – Bleed
04 – Tribe
05 – Bumba
06 – First Commandment
07 – Bumbklaat
08 – Soulfly
09 – Umbabarauma
10 – Quilombo
11 – Fire
12 – The Song Remains Insane
13 – No
14 – Prejudice
15 – Karmageddon/Sultão das Matas
16 – Cangaceiro (Bônus Track)
17 – Ain’t no Feeble Bastard (Bônus Track)
18 – The Possibility of Lives Destruction (Bônus Track)
Formação:
Max Cavalera – Vocal/Guitarra/Berimbau/Cítara
Lucio Maia – Guitarra/ Zambumba (em, Fire)
Marcello D. Rapp – Baixo// Baixo duplo (em “First Commandment“) e baixo acústico (em “Soulfly“)
Roy Mayorga – Bateria/Percussão
Participações especiais:
Chuck Johnson – Percussão (“Soulfly” e “Karmageddon) e Backing Vocal
Chino Moreno – Vocal (“First Commandment“)
Mario Caldato Jr. – Backing Vocal (“Bumba” e “Umbabarauma“)
Benji – Vocal (“Quilombo” e “Karmageddon“) e Correntes (“Prejudice“) e Backing Vocal
Ross Robinson – Backing Vocal (“Bumba” e Umababarauma“) e Percussão (“Soulfly“)
Jorge Du Peixe – Backing Vocal/Tambora/Percussão/Chocalho
Paul Booth – Backing Vocal
Fred Durst – Vocal (“Bleed“)
Angola Kassanje – Vocal (“Sultão das Matas“)
Gilmar Bolla Oito – Backing Vocal/Percussão/Triângulo
Christian Olde Wolbers – Baixo (“No“)
Burton C. Bell – Vocal (“Eye for an Eye“)
Rob Angelo – Backing Vocal (“Bumba“)
DJ Lethal – Pickup (“Bleed” e “Quilombo“)
Zyon Cavalera – Voz (“Bumbklaat“)
Eric Bobo – Backing Vocal (“Umbabarauma“)
Tezz Roberts – Vocal (“Ain’t no Feeble Bastard” e “The Possibility of Lives Destruction”)