Em 29 de setembro de 1992, o Stone Temple Pilots emergia na cena com o pé na porta, lançando “Core“, o álbum de estreia, que acabou de entrar no seleto grupo dos trintões e é assunto do nosso Memory Remains de hoje.
A banda que foi formada em San Diego no ano de 1989, tinha o estranho nome Might Joe Young e consistia originalmente pelos irmãos Dean e Robert DeLeo (guitarrista e baixista, respectivamente), o eterno vocalista Scott Weiland e o baterista Eric Kretz. Ao assinar contrato com a Atlantic Records e mudou seu nome para o qual a conhecemos. Eles se juntaram ao excelente produtor Brendan O’Brien e todos foram para Los Angeles, por onde ficaram trancafiados no Rumbo Recorders, entre dezembro de 1991 e janeiro de 1992.
Na época, a costa oeste dos Estados Unidos era o epicentro do Rock pesado. Com o Heavy Metal e o Hard Rock em baixa, coube às bandas que estavam emergindo a tarefa de mostrar uma nova perspectiva do som pesado. Foi assim mais ao norte, em Seattle com o movimento Grunge. E no sul, o STP tratou de fazer a sua estreia com o pé na porta com este excelente álbum, que trazia uma banda pesada e intensa. Ao mesmo tempo com uma sonoridade que lembrava e muito as bandas contemporâneas, principalmente o Pearl Jam.
O conteúdo lírico também apresenta um leque de temas interessantes, que hoje faria com que o roqueiro reacionário questionasse e até mesmo canclasse a banda. “Sex, Type, Thing” por exemplo, trata do machismo; “Naked Sunday“, traz a tona o problema da lavagem cerebral dos religiosos, tipo um certo país tupiniquim que está usando deste poderio para reeleger um certo presidente que nada fez e que é responsável por quase 700 mil mortes. Que coincidência, não é mesmo? E olha que a letra foi escrita há trinta anos atrás e tratava de uma realidade lá dos Estados Unidos. Mas o Brasil copia tudo que vem de lá, certo? Se você é conservador, sinto muito lhe desapontar, pode cancelar a banda, chamá-los de comunistas, mandá-los ir para Cuba e colocar a culpa na Rede Globo. O saudoso frontman Scott Weiland deu uma declaração sobre as letras de “Core“. Vamos conferir.
“Eu sinto muito fortemente que todos os indivíduos, independentemente de idade, raça, credo ou preferência sexual, devem ter a liberdade de exercer seus direitos como seres humanos para aproveitar a vida, buscar o que desejam e se sentir à vontade sobre quem são. Acho que tendo a achar os lados mais escuros da vida mais atraentes do que os amarelos e laranjas. Eu sei que é algo com o qual me identifico quando ouço música.”
Há três décadas atrás já havia gente pensando de maneira coerente, mas o roqueiro de hoje acha que as minorias devem simplesmente deixar de existir ou se existirem, devem viver à margem da sociedade. Afinal de contas, o que deve prevalecer é o sujeito branco, heterosexual, cristão, defensor da moral e dos bons costumes perante a todos, mas que por trás das cortinas, bate ou mata a companheira, ou tem outra família, ou tem relações com pessoas do mesmo sexo, coisa que diante da sociedade, ele, de maneira demagoga, abomina. Esse tipo de “fã”, obviamente não entendeu a essência do Rock, não entendeu o Pink Floyd, o Black Sabbath, o Dead Kennedys, o Pearl Jam, o Rage Against the Machine e também não entenderá o Stone Temple Pilots. Nem é bem-vindo aqui neste texto.
Voltando a parte musical, o baixista Robert DeLeo afirmou que a banda toda se inspirou no Led Zeppelin quando entraram no estúdio para produzir e gravar “Core“. Não na parte musical, pois há diferenças abissais entre ambas as bandas, mas ele traçou um paralelo interessante sobre como prender a atenção do ouvinte durante toda a extensão do álbum. E isso eles conseguiram com louvor, pois o álbum é deliciosamente agradável do início ao seu final. Como iremos comprovar, a partir das linhas abaixo, colocando a bolacha para rolar e conferindo faixa a faixa deste disco sensacional.
“Dead and Bloated” abre o álbum maravilhosamente bem, com uma sintonia fina entre peso e melodia. “Sex, Type, Thing” traz nos seus riffs a sua melhor virtude, aliada, é claro, ao refrão grudento. Essa é particularmente uma das minhas músicas preferidas de sempre do STP.
“Wicked Garden” ainda prioriza o peso, em uma música mais cadenciada que a anterior. Impressiona o peso que o baixo de Robert DeLeo imprime na música, mas as guitarras também estão com um timbre absurdo de bom. Uma pequena pausa para “No Memory“, que é um dedilhado de violão que dura pouco mais de um minuto e logo logo entra a densa “Sin“, onde mais uma vez as guitarras são as protagonistas.
“Naked Sunday” é outra que pertence ao rol das melhores do play, ainda que seja uma missão muito difícil escolher a melhor faixa deste disco. Aqui temos um duelo entre a bateria de xx e as guitarras e quem ganha com isso é a própria música. Chega um dos hits da banda, “Creep“, uma balada com belas harmonias e um refrão muito interessante.
“Piece of Pie” é um Rockão onde as guitarras são as protagonistas e funciona perfeitamente como a antecessora do grande hit da banda, a maravilhosa “Plush“, onde as batidas de Eric Kretz são o espetáculo a parte. Lembro que quando ouvi essa canção pela primeira vez eu achei que era o Pearl Jam, pela semelhança entre ambas as bandas.
“Wet my Bed” é um improviso, que foi o primeiro registro durante as sessões de gravação e por alguma razão os caras resolveram incluir no play. Ainda bem que ela é curta e logo logo chega a empolgante “Crackerman“, que devolve o álbum ao nível estratosférico. As guitarras estão com um timbre lindo aqui e isso garante o divertimento na canção. E a arrastada “Where the River Goes” encerra um álbum que beirou a perfeição do início ao fim.
O álbum recebeu críticas mistas, alguns amaram, outros odiaram. Chamaram a banda de ter copiado o Pearl Jam (e realmente elas se parecem por demais, ao menos neste momento). Os críticos inclusive distorceram a mensagem das músicas, principalmente “Sex, Type, Thing” que foi compreendida de maneira incorreta como uma apologia ao estupro, quando na verdade é o contrário. Mas felizmente prevaleceu a boa aceitação, que fez com que o álbum fosse um sucesso de vendas e que permanece atual três décadas depois.
O disco foi eleito pelos leitores da revista Guitar World em 2011 como o 10° melhor disco de guitarra do ano de 1992; mais recentemente, em 2019, a Rolling Stone colocou “Core” em 11° na lista dos 50 maiores álbuns de Grunge. Está também na lista dos 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall of Fame. “Plush“, faturou o Grammy Awards na categoria “Best Hard Rock Performance“. Nos charts, o álbum ficou em 3° na “Billboard 200“, 8° no Canadá, 9° na Suécia, 10° na Holanda, 11° na Nova Zelândia, 21° na Áustria, 22° na Finlândia, 27° no Reino Unido, 29° na Austrália, 36° na Suíça e 53° na Alemanha. Os singles “Plush” e “Creep“, figuraram nas posições 1 e 2, respectivamente na “Billboard“. Não é pouco.
Foi certificado com Disco de Prata no Reino Unido, Ouro na Nova Zelândia, Platina na Austrália, Duplo Platina no Canadá e oito vezes Platina nos Estados Unidos. É o disco mais vendido da carreira do Stone Temple Pilots. Em 1993, foi o 10° disco mais vendido nos Estados Unidos. É certamente um dos maiores álbuns de estreia do Rock e em minha opinião, briga cabeça a cabeça com “Dirt” (Alice in Chains) e “Countdown to Extinction” (Megadeth) pelo título de melhor disco do ano de 1992.
Trinta anos se passaram e entre idas e vidas, a banda segue na ativa, infelizmente não mais com o inesquecível Scott Weiland, que já não está mais entre nós. E em 2023 o quarteto estará no Brasil como uma das atrações da versão brasileira do Summer Breeze. Será uma ótima oportunidade de vê-los tocar ao vivo e de poder captar um pouco da visceralidade deste belo álbum. A homenagem está feita, com alguns dias de atraso, é bem verdade, mas bem honesta e justa. Esse álbum é uma pérola dos anos 1990 e merece ser ouvido no volume máximo todos os dias.
Core – Stone Temple Pilots
Data de lançamento – 29/09/1992
Gravadora – Atlantic
Faixas:
01 – Dead and Bloated
02 – Sex, Type, Thing
03 – Wicked Garden
04 – No Memory
05 – Sin
06 – Naked Sunday
07 – Creep
08 – Piece of Pie
09 – Plush
10 – Wet my Bed
11 – Crackerman
12 – Where the River Goes
Formação:
Scott Weiland – vocal
Dean DeLeo – guitarra
Robert DeLeo – baixoE
Eric Kretz – bateria