“Uau… Já são 2 anos do lançamento do Shadow Work. O que posso dizer sobre isso…como o tempo voa; parece que foi ainda ontem, que entrei em estúdio com meus colegas para gravar o que depois se tornou o último disco do Warrel. Na época da gravação, de outubro a dezembro de 2017, foi um tempo de muita alegria e de suar a camisa como nunca num estúdio. A expressão de satisfação do Warrel com o disco, com o resultado que estava saindo, sempre era algo que me alegrava; saber que ele estava curtindo demais as músicas e todo o processo de gravação, tanto quanto eu. Também a constante de visitas de amigos que tivemos no estúdio Ôrra Meu, durante as gravações, sempre procurando descontrair o ambiente, a alegria no olhar de quem estava assistindo também. …”
O relato acima é do guitarrista Johnny Moraes, que foi um dos quatro afortunados a estar do lado de Warrel Dane na última empreitada de sua carreira. Os últimos anos do imortal vocalista não foram muito bons: ele, rompido com seu grande amigo e parceiro, Jeff Loomis, encontrou nos brasileiros, o apoio que precisava. E desde 2014, quando fizeram o primeiro show, na cidade do Rio de Janeiro (N.do R: Sim, eu estava lá, eu conheci o Dane, troquei ideia com ele e preciso segurar as lágrimas enquanto vos escrevo essas linhas e lembro dos momento em que cantamos juntos “Poison Godmachine”, a nossa música favorita do NEVERMORE), a parceria se mostrou ótima para todos os lados. Para Dane, que teve a certeza de que era – e ainda é – amado pelos fãs; e para os rapazes que se tornaram conhecidos do grande público e que tiveram reconhecimento com o respaldo de ter feito parte da banda solo do vocalista do NEVERMORE e do SANCTUARY.
E Dane, que tinha um restaurante conceituado – e disputado pelo público – em Seattle, sempre dava um jeito de vir ao Brasil, fazer turnês com seus novos parceiros ou somente para ir na famosa casa Madame Satã. Ele gostava tanto do local, que fez uma música, que falaremos dela na hora apropriada.
“Shadow Work” nasceu com outra concepção: a ideia era de fazer um disco de covers, transformar músicas de outros estilos em versões Heavy Metal, o que se explica pela música “The Hanging Garden”, do THE CURE, que foi a única que sobrou do projeto inicial.
A parceria começou a render frutos e os covers foram dando lugar às músicas autorais. Dane apenas precisava do aval da Century Media, o que não seria dificil de conseguir, uma vez que ele “mandava prender e soltar” lá dentro. Praticamente toda a sua carreira havia sido feita com a gravadora alemã. Gravaram as demos e com a autorização do selo, começaram as gravações.
Porém, como sabemos, não houve tempo hábil para que o álbum fosse gravado do jeito que eles planejaram. Em 13 de dezembro de 2017, Warrel Dane nos deixou, vitimado por ataque cardíaco. Diabético, ele não cuidava desta doença como deveria e por isso a sua vida não pôde ser prolongada. Mas aqui a intenção é exaltar a obra deste gênio.
Todos estavam no estúdio “Orra Meu”, na capital paulistana e durante uma pausa nas sessões, Dane veio a óbito. Ficou, claro, aquela sensação de vazio e os músicos sem saber o que fazer. Depois de certo tempo, foi decidido que o álbum deveria ser concluído e lançado postumamente: o Dane merecia isso, a banda merecia isso, os fãs mereciam.
Para que o leitor possa ter ideia, os vocais que ouvimos em “Shadow Work” foram os da pré-produção. E se eu não tivesse essa informação, pensaria que o cara tinha gravado tudo “à vera”, como costumamos dizer aqui no Rio de Janeiro. Em entrevista, o guitarrista Thiago Oliveira havia me confidenciado que Warrel era um cara que gostava de escrever as letras já em cima da hora, que a “The River Dragon Has Come”, do álbum “Dead Heart in a Dead World” havia nascido assim. E que por isso, não tivemos mais do que sete músicas próprias e oito no total. O destino não deixou.
Então, com a bolacha rolando, temos apenas 40 minutos de muita paixão, muita gana, muito peso, em que cada músico pôde mostrar o que tem de melhor. O sucessor de “Praises to the War Machine” (2007) foi concebido debaixos dos escombros de um verdadeiro tsunami que atingiu aos envolvidos. Ninguém esperava que Warrel se fosse, embora, repito, sua saúde estivesse muito frágil. Mas como os caras sempre dizem, foi um trabalho construído na base do “sangue, suor e lágrimas”.
Musicalmente, ele lembra e muito os dois últimos trabalhos do NEVERMORE, “This Godless Endeavor” (2005) e “The Obsidian Conspiracy” (2010). Todas as músicas são dignas de nota. Começando pela calma “Ethereal Blessing”, com aquele seu clima de paz e tranquilidade. Sempre que a ouço, imagino o Dane deitado em seu caixão, não de maneira mórbida e sim, tendo o seu descanso depois de tudo que ele fez pelo Heavy Metal, que ele amou com muita intensidade.
A pancadaria sonora começa com a sombria e pesada “Madame Satan”, como disse acima, homenagem à casa paulistana que ele adorava. É uma música maravilhosa. Assim como “Disconnection System”, mais densa e mais pesada, com um solo lindo, repleto de harmonias.
“As Fast as the Others” já é aquele Metal mais, digamos, comercial, perfeitamente possível de se tocar nas chamadas “rádios rock”. E não é por ser deste jeito que ela deixa de ser boa, ao contrário. Trata-se de um sonzão e tem muito groove nela.
A faixa título chega e ela é a minha favorita. Os riffs de guitarra são simplesmente sensacionais e o refrão, denso, é uma coisa indescritível de tão boa. O leitor que me perdoe, mas nessa hora, o lado fã fala muito mais alto do que o lado analítico, ficando difícil não gostar de algo que o Warrel Dane tenha feito ao longo de sua carreira. Essa música é tão emblemática para mim que é o despertador do meu telefone.
E aí chega o baterista Marcus Dotta quebrando tudo no cover para “The Hanging Garden”, do THE CURE. E ele não é o único responsável pela qualidade do resultado final, os demais o acompanham, fazendo com que esta, seja a música que mais se destaca no disco. Principalmente porque ficou completamente diferente da versão original. Quem conhece Dane, sabe que isso não é novidade, basta ver em como ele transformou “The Sound of Silence”, que é uma calmaria na versão original, em um Thrashão violento e agressivo no “Dead Heart in a Dead World”. E aqui posso dizer, Warrel Dane me fez gostar de THE CURE.
“Rain” é uma balada linda, melódica, com seus momentos de peso, muita atmosfera e um solo absurdamente maravilhoso. E o final, com uma música típicamente NEVERMORE, com “Mother is the Word for God”, com aquele mesmo clima da música This Godless Endeavor, épica, pesada. Um fã desavisado do NM que não conhece este álbum, vai achar que a banda voltou e que compôs música nova, dada as semelhanças.
Há de se destacar o trabalho do produtor Wagner Meirinho, sensacional. Não só do ponto de vista musical, uma vez que ele vem se destacando com seus trabalhos, mas também como uma espécie de psicólogo dos músicos, ajudando, tendo toda a paciência do mundo e fazendo desta obra o verdadeiro tesouro que ela se tornou. Um álbum à altura de Warrel Dane, à altura destes quatro afortunados.
Century Media
Para terminar, deixaremos aqui mais relatos, dos outros três envolvidos na gravação deste discaço: Thiago Oliveira, Marcus Dotta e Fabio Carito. Não há pessoas melhores do que eles para que possam nos ajudar a entender essa obra póstuma do nosso inesquecícel Warrel.
“Pra mim é muito difícil falar sobre o Shadow Work, porque eu tive a missão de trabalçhar junto com o vocalista, um poeta e um artista. Um dos grandes, uma voz única dentro do Heavy Metal e do Rock em geral. Foi uma das pessoas com quem eu compus e de um talento impressionante, que sabia transmitir uma emoção nas letras e músicas de uma forma muito única. Ele passou um período morando na minha casa, onde trabalhamos nas composições e não foi um período fácil por conta de seus problemas pessoais, mas ainda com todos esses problemas, nós conseguimos trazer para o mundo uma obra tão profunda. Não tem um dia em que eu não me lembre dele. Ter um artista como ele me dando carta branca para compôr com ele é uma experiência muito rica. E ele ter me tratado de igual para igual, coisa que nem todos são capazes de fazer. Até hoje recebo mensagens de pessoas de fora do Brasil, de fãs dele, que perguntam do meu trabalho, é um carinho muito grande, que não tenho como retribuir. Eu fico muito lisonjeado e é um legado que eu tenho o maior orgulho de ter feito parte” (Thiago Oliveira).
“O Shadow Work foi um marco na minha vida pessoa, profissional e também acredito ter sido um marco na cena brasileira. Digo na minha vida pessoal pois esse disco sempre me lembrará os momentos inesquecíveis (os bons e ruins) junto do Warrel, ídolo que virou amigo. Cada um de nós batalhou muito pra esse disco sair, enfrentando circunstâncias que as pessoas nem imaginam. Profissionalmente foi meu primeiro lançamento internacional por uma das maiores gravadoras do meio. E acredito que isso também teve um impacto na cena brasileira, pois quatro músicos do underground brasileiro conseguiram mostrar seu trabalho para o mundo fazendo parte da carreira solo de um vocalista lendário, não só em tours, mas eternizando músicas autorais em um disco que foi um dos principais lançamentos da Century Media de 2018. Depois de dois anos, tudo isso abriu muitas portas pra gente profissionalmente, continuo a ter orgulho do que realizamos dentro das circunstâncias e saudades do Warrel” (Marcus Dotta).
“Indiscutivelmente o Shadow Work é o disco da minha vida e também o resultado final da equação enigmática chamada Warrel Dane. É a síntese sonora do que ele foi: denso, caótico e melancólico, porém tudo com uma honestidade e sensibilidade ímpar. Tenho certeza de que esse disco passará pela prova do tempo e envelhecerá muito bem. E ele é merecedor disso. Obrigado, Warrel!” (Fabio Carito).
Shadow Work – Warrel Dane
Data de lançamento – 26/10/2018
Gravadora – Century Media
Faixas:
01 – Ethereal Blessing
02 – Madame Satan
03 – Disconnection System
04 – As Fast as the Others
05 – Shadow Work
06 – The Hanfing Garden
07 – Rain
08 – Mother is the Word for God
Formação:
Warrel Dane – Vocal
Thiafo Oliveira – Guitarra
Johnny Moraes – Guitarra
Fabio Carito – Daixo
Marcus Dotta – Bateria