Reprodução
Muito além da estética e a simbologia, listamos quem realmente de fato tem relações intrínsecas com a extrema-direita e quem já sofreu supostos mal-entendidos
Recentemente no Brasil, a banda norueguesa de black metal Mayhem teve seus shows cancelados no país após um forte pressão de políticos locais tentando ganhar relevância nas redes sociais e até mesmo “surfar” nesta onda recente de fortalecimento do antifascismo surgido para combater a ascensão da extrema-direita após a eleição de Jair Bolsonaro.
O Mayhem ficou conhecido no final da década de 1980 e início da década de 1990 por suas apresentações intensas e polêmicas, que envolviam o uso de sangue, ossos e animais mortos no palco. A banda também foi marcada por tragédias e escândalos, como o suicídio do vocalista Dead e o assassinato do guitarrista Euronymous pelo ex-baixista Varg Vikernes do grupo.
Embora a banda nunca tenha se declarado abertamente nazista, alguns de seus membros foram associados a ideologias extremistas, como o vocalista Dead, que era fascinado por guerras e o guitarrista Euronymous, que era ligado ao movimento nacionalista norueguês.
Apesar dessas associações, a postura da banda em relação ao nazismo e outras ideologias extremistas é ambígua, e alguns fãs e críticos defendem que as letras e imagens do Mayhem devem ser interpretadas como uma crítica ao sistema e ao establishment. De qualquer forma, a história conturbada da banda e sua relação com a violência e a morte a tornaram um ícone da cena black metal e um exemplo extremo da interação entre a música e a política.
Diversos artistas do rock e metal já foram acusados de flertar com o nazismo. As acusações vão desde o uso de símbolos nazistas em shows e álbuns até letras que exaltam a supremacia branca e a discriminação racial.
Entre os nomes citados estão bandas como Burzum, Graveland e Absurd, que são conhecidas por suas letras que fazem referências a ideologias extremistas. Alguns artistas, como Ian Stuart Donaldson, vocalista da banda Skrewdriver, são conhecidos por serem símbolos do rock de extrema-direita e por suas letras racistas e nacionalistas.
O envolvimento de artistas com ideologias extremistas é prejudicial tanto para a cena musical quanto para a sociedade como um todo. A música deve ser um meio de expressão livre e criativa, e não uma plataforma para a disseminação de ódio e discriminação. Além disso, é importante destacar que o nazismo é uma ideologia que causou a morte de milhões de pessoas e não deve ser tolerada ou romantizada de forma alguma.
Ainda assim, é importante lembrar que a acusação de flertar com o nazismo não deve ser feita de forma leviana e que a análise das letras e imagens utilizadas pelos artistas deve ser cuidadosa e bem fundamentada. O debate sobre a relação entre a música e a política é válido e deve ser estimulado, mas sem que isso seja usado como desculpa para promover ideologias extremistas.
É preciso que a música continue a ser um meio de expressão livre e criativa, mas é fundamental que artistas e fãs tenham consciência da importância de se posicionarem contra qualquer forma de discriminação e ódio.
Artistas e bandas que, de alguma forma, já sofreram acusações diretas de serem nazistas, de simpatizarem com a estética ou a extrema-direita, ou que apenas sofreram mal-entendidos:
David Bowie – O cantor David Bowie teve uma fase controversa em sua carreira, em meados da década de 1970, quando se envolveu com o movimento estético chamado de “estilo de vida fascista”, que tinha influências da cultura punk e da moda da época. Nessa fase, Bowie chegou a usar símbolos nazistas em algumas de suas roupas e acessórios, o que gerou críticas e especulações sobre sua ideologia.
Rolling Stones – Em raras ocasiões na década de 1960, Mick Jagger, famoso pelos Rolling Stones, usou camisetas com suásticas, enquanto Keith Richards gostava de se vestir com um uniforme militar completo da Wehrmacht, como Lemmy, na frente de amigos. No entanto, esses foram pequenos gestos em comparação com o falecido Brian Jones. Em uma infame sessão de fotos para uma revista alemã, ele foi mostrado, ao lado de sua namorada alemã Anita Pallenberg, vestido com um uniforme da SS nazista pisando em uma boneca de brinquedo. Alguns especulam que a sessão de fotos foi orquestrada por Pallenberg, embora Jones tenha explicado: “Realmente, quero dizer, com todo aquele cabelo comprido em um uniforme nazista, as pessoas não podiam ver que era uma coisa satírica?”
Marilyn Manson – A atriz Evan Rachel Wood denunciou o abuso psicológico que ela afirmou ter sofrido durante seu relacionamento com Marilyn Manson, de 2006 a 2010. Ela alegou que o cantor era racista e antissemita com ela, que é de origem judaica. A artista também compartilhou fotos de três tatuagens do cantor que contêm símbolos nazistas. As tatuagens incluem uma caveira “Totenkopf”, usada pelas forças nazistas SS, um moinho de vento com quatro retângulos que formam uma suástica, e um arranjo de quatro letras “M” que também pode ser interpretado como uma suástica.
Sex Pistols – Há relatos de que a banda Sex Pistols, uma das mais influentes e controversas do movimento punk rock britânico dos anos 1970, usou a suástica em algumas ocasiões. O símbolo nazista foi usado em roupas e adereços usados pelos membros da banda em shows e sessões de fotos, gerando polêmica e controvérsia na época. Alguns membros da banda, como o vocalista Johnny Rotten, chegaram a afirmar que a suástica era usada como um símbolo provocativo e subversivo, que visava chocar e questionar as convenções sociais. No entanto, a utilização do símbolo ainda é controversa e pode ser interpretada de diferentes maneiras.
Siouxsie And The Banshees – A utilização da braçadeira com suástica foi incorporada à moda punk ou ao “chique nazista” no Reino Unido. Membros de Siouxsie and the Banshees chegaram a usar trajes nazistas em público e no palco. A motivação de Siouxie era provocar a geração mais velha, a quem eles culpavam por uma profunda recessão econômica combinada com inflação desenfreada, que dizimou a classe trabalhadora.
Joy Division – O Joy Division tinha uma fascinação pela imagética nazista. O objetivo era espelhar a crescente autoritarismo e o sentimento de desespero na Grã-Bretanha com a imagem fascista em suas primeiras artes de álbum. O que pode ser argumentado, de maneira mais crítica e crucial, é que a banda era essencialmente anti-fascista. O nome “Joy Division” foi retirado de campos de concentração nazistas cheios de mulheres judias, cujo único propósito era fornecer prazer sexual aos soldados nazistas, como descrito na novela House of Dolls, escrita por uma sobrevivente do campo de concentração.
Rammstein – A banda alemã Rammstein já sofreu acusações de simpatia ao nazismo e de promover a ideologia extremista em sua música e performances. Isso ocorre principalmente devido à estética provocativa e controversa adotada pela banda em seus shows e videoclipes, que incluem imagens e simbolismos ligados à Segunda Guerra Mundial e à Alemanha nazista.
Burzum – O projeto solo de Varg Vikernes, ex-guitarrista da banda norueguesa de black metal Mayhem, foi fundado enquanto ele estava na prisão por assassinar o vocalista do Mayhem, Euronymous. Vikernes promoveu ideologias nacionalistas e pagãs em seu trabalho, além de ter sido condenado por incêndios criminosos em igrejas na Noruega. Ele tem sido associado a grupos de extrema-direita e já foi fotografado fazendo a saudação nazista.
Skrewdriver – Banda punk rock / oi! do Reino Unido que se tornou um dos símbolos da cena skinhead neonazista. O vocalista Ian Stuart Donaldson fundou o grupo em 1976, e ao longo dos anos, as letras da banda se tornaram cada vez mais políticas, com temas que incluíam a supremacia branca e a anti-imigração. Donaldson morreu em um acidente de carro em 1993, mas a banda ainda é lembrada por suas associações com a extrema-direita.
Slayer – A banda de thrash metal americana foi criticada por sua música e imagens violentas, incluindo o uso de simbolismo nazista em seu material promocional. Em particular, o álbum “Reign in Blood” da banda apresenta a faixa “Angel of Death”, que é sobre o médico nazista Josef Mengele e suas experiências com prisioneiros em campos de concentração.
Lemmy Kilmister (Motorhead) – O lendário vocalista e baixista britânico, que faleceu em 2015, foi criticado por usar um chapéu que apresentava uma insígnia da SS nazista. Embora Lemmy tenha afirmado que o símbolo era apenas uma lembrança da Segunda Guerra Mundial e não representava suas crenças políticas, ele ainda foi alvo de críticas por sua escolha de acessórios.
Michael Graves (Misfits) – O ex-vocalista da banda punk Misfits, que foi expulso em 2000, foi acusado de ter conexões com a supremacia branca. Graves se apresentou com a banda skinhead de Nova York, Skinflicks, que tem ligações com grupos neonazistas, e já posou para fotos com membros da Ku Klux Klan.
Phil Anselmo (Pantera) – O vocalista da banda de metal Pantera foi criticado por fazer uma saudação nazista e gritar “white power” durante um show em 2016. Anselmo se desculpou por suas ações e afirmou que estava bêbado no momento.
Irmãos Cavalera (Sepultura) – Max e Iggor Cavalera na juventude teriam usado suásticas. Os irmãos já foram associados a simbologia nazista no passado, mas sempre negaram qualquer associação com ideologias racistas ou fascistas. Eles ainda muito jovens eram inspirados pela estética punk dos Sex Pistols. Eles sempre declararam ser contra o nazismo e quaisquer outras formas de opressão e preconceito.
Glen Benton (Deicide) – O vocalista e baixista da banda de death metal Deicide é conhecido por usar uma cruz invertida em sua testa e por suas letras blasfemas e anticristãs. Algumas de suas ações e declarações ao longo dos anos levaram alguns a questionar suas crenças e associações políticas.
Gaahl (Gorgoroth) – O vocalista da banda norueguesa de black metal Gorgoroth tem sido associado a grupos de extrema-direita na Noruega e já fez declarações controversas sobre a importância do “sangue e solo” na cultura norueguesa. Ele também foi preso por agressão em 2002.
Marduk – A banda sueca de black metal Marduk foi acusada de usar símbolos nazistas em seu material promocional e de promover a ideologia nacionalista. O vocalista Mortuus já se descreveu como “um nacionalista em muitos aspectos” em entrevistas.
K.K. Downing (Judas Priest) – O ex-guitarrista da banda de heavy metal Judas Priest publicou um livro em 2018 em que ele descreveu como um jovem ele admirava o líder da extrema-direita britânica Oswald Mosley e que ele gostava de usar uma braçadeira da União Britânica de Fascistas.
Graveland – A banda de black metal polonesa é conhecida por suas letras que exaltam o paganismo e a mitologia nórdica, mas também já foi acusada de ter conexões com grupos extremistas na Polônia.
Taake – A banda de black metal norueguesa já foi criticada por usar símbolos nazistas em seus shows e por letras que fazem referências a ideologias extremistas.
Absurd – A banda de black metal alemã foi formada por membros do movimento skinhead neonazista. A banda é conhecida por suas letras que exaltam a supremacia branca e por seu envolvimento em crimes de ódio na Alemanha.
Rahowa – A banda de rock de extrema-direita foi formada nos Estados Unidos na década de 90 e é conhecida por suas letras que exaltam a supremacia branca e a luta contra o que eles chamam de “genocídio branco”.
Stahlgewitter – A banda de rock de extrema-direita alemã é conhecida por suas letras que fazem referências a ideologias fascistas e nacionalistas. A banda já teve seu material proibido na Alemanha devido a suas mensagens de ódio.
O “efeito rebote” acabou colocando a banda Mayhem nas grandes mídias
É importante lembrar que o envolvimento de artistas com ideologias extremistas não deve ser tolerado e deve ser criticado e condenado. A música deve ser um meio de expressão livre e criativa, e não uma plataforma para a disseminação de ódio e discriminação.
A decisão de cancelar ou não os shows de artistas acusados de flertar com o nazismo é uma questão delicada e controversa. Por um lado, é compreensível que muitas pessoas se sintam incomodadas ou ofendidas com a ideia de assistir a um show de uma banda que promove ideologias extremistas e discriminatórias. Por outro lado, o cancelamento de um show pode ser interpretado como uma censura à liberdade de expressão dos artistas, mesmo que essa expressão esteja associada a ideologias repugnantes.
O cancelamento de um show pode ter impactos negativos para os fãs da banda, que muitas vezes compram ingressos e planejam viagens com antecedência. No entanto, é necessário avaliar cuidadosamente as acusações que foram feitas contra o Mayhem de envolvimento com ideologias nazistas. Embora as acusações sejam graves e devam ser levadas a sério, é importante lembrar que a banda tem uma história controversa e já passou por várias mudanças em sua formação.
Aqui podemos definir como um claro ‘efeito rebote’ nas redes sociais, em que a ação pretendida teve uma reação contrária àquela que se pretendia pelos seus autores. Obviamente, a situação fugiu do controle e gerou ainda mais atenção e discussão em torno de um grupo destinado ao underground.
É preciso destacar que a controvérsia em torno do cancelamento do show no Rio Grande do Sul acabou gerando uma “publicidade gratuita” gigantesca para a banda em cima desta discussão, sendo comentados nos maiores portais de noticias e jornais do país, como Folha de S. Paulo, UOL, G1, Terra, entre outros. Inclusive, mídias que jamais publicariam uma linha sobre o grupo em condições normais acabaram cedendo espaço em seu noticiário, causando uma consequência inversa ao que seus detratores desejavam. Até mesmo no Instagram, o número de seguidores deles aumentou consideravelmente nos últimos dias.
Ressalto que as acusações de nazismo não devem ser tratadas com leviandade, e que é necessário que a banda se pronuncie sobre o assunto de forma clara e inequívoca, esclarecendo sua posição em relação a essas ideologias. O que duvido que ocorra, pois é da controvérsia que eles vivem e se alimentam.
Uma solução pode ser a realização de debates e fóruns de discussão sobre a relação entre a música e a política, para que as pessoas possam se informar e se posicionar de forma consciente sobre os artistas que escolhem apoiar. É primordial que a sociedade como um todo seja crítica e vigilante em relação a qualquer forma de discriminação e ódio, e que os artistas sejam responsáveis em relação às mensagens que transmitem em suas músicas e apresentações.