Resenhas

Mémoires

Ermyte

Avaliação

8.0

Se tem uma coisa que a França sabe fazer bem — além de pão, vinho e filmes estranhos — é rock com identidade. E o Ermyte não está aqui pra brincar. Em ‘Mémoires’ de Ermyte, o grupo entregou um EP curto, direto e cheio de personalidade, misturando referências de rock dos anos 80 com uma estética moderna, letras em francês e uma certa ousadia que só quem viveu noites demais em bares pequenos e molhados pode colocar em som. É francês até o osso, mas com pegada universal. E o melhor: soa diferente do que se tem feito por lá.

A abertura com “Despotify” já mostra que o clima não será de amenidades. Tem um groove sujo, batida seca e aquela produção que valoriza o essencial: riff, baixo, voz, e nada de firula. Em “Poésie Saturée”, a coisa ganha urgência punk. A levada é rápida, as guitarras são cortantes e o refrão, mesmo sem se apoiar na obviedade, funciona com perfeição. É daquelas faixas que funcionam ao vivo — o tipo de som que te faz bater o pé mesmo sem entender uma palavra.

“Néant” traz um riff marcante que sustenta a faixa inteira, criando uma tensão constante que nunca explode de vez. É minimalista, quase hipnótica, e mostra o domínio da banda em criar uma atmosfera com pouco. A sequência com “Le Bar St Jean” muda totalmente a atmosfera: uma balada noir francesa, sensual, arrastada, com um baixo quente que carrega a faixa nas costas. Aqui, o clima é de fumaça, copo meio cheio e promessas quebradas. O vocal vem mais falado do que cantado, com aquele charme blasé que só francês consegue fazer sem soar ridículo.

“Eurydice” aparece como respiro: uma canção acústica, lenta, espaçosa. Não tem pressa, não precisa. É bonita porque é simples. E quando parece que o EP vai encerrar nesse tom contemplativo, vem “En 92” pra virar tudo de cabeça pra baixo. É aqui que está a verdadeira joia do disco: mistura métrica de rap com refrão cantado, groove de baixo com swing de rock alternativo e uma estrutura que flui naturalmente. É o single óbvio, mas sem cair no óbvio. O tipo de faixa que não precisa de tradução pra funcionar.

Mémoires de Ermyte tem algo raro: sabe de onde veio e não tenta parecer nada que não é. Pra quem curte Noir Désir, Mano Negra, ou até uns ecos de Arctic Monkeys e The Clash, vale a audição. O EP é curto, mas diz muito — e o melhor, sem soar velho ou reciclado. Se o objetivo era reviver o rock francês com originalidade, o Ermyte pode se considerar no caminho certo.