Berlim sempre foi um polo para artistas que recusam o óbvio, mas Dvdv leva isso a outro nível. Com ‘STARVVING’, ela entrega um álbum que é quase uma vivissecção emocional — não no sentido lírico direto, mas pelo som em si: torto, mutante, impossível de prever. Ao lado do produtor e colaborador de longa data Poly Armour, com quem divide créditos desde 2018, Dvdv criou um trabalho profundamente pessoal, ainda mais intenso depois que Poly precisou se afastar por motivos de saúde. A missão caiu em suas mãos: finalizar o disco, dar forma ao caos e transformar colapso em arte. E ela não apenas fez isso — ela expôs tudo.
A sonoridade do disco não se encaixa fácil em nenhum rótulo. Pense numa mistura de Arca com FKA Twigs, mas com influências que vão de Enya a Bjork, passando por Glitches, Harpas, sintetizadores desafinados e camadas vocais que beiram o colapso. A produção é afiada como bisturi. Cada som parece ter sido recortado com precisão cirúrgica e depois reordenado de forma emocional, não lógica. A sensação é de ouvir algo vivo, mutante, às vezes desconfortável, mas sempre sincero.
“Zein”, o interlúdio de abertura, prepara os ouvidos para a experiência que vem a seguir. Chronic, “U Shut the Door” e “Panic” já mergulham em terrenos mais agressivos em termo rítmico: camadas de ambiência, graves e vocais que transitam entre o sussurro e os lirismos. As estruturas são imprevisíveis. Your Lesson segue mais “popular” em estrutura, mas ainda inquieta, com sintetizadores e batidas eletrônicas indescritíveis.
“Now Belong” e “Triumph” continuam a experiência, não seria estranho ouvi-las em trilhas de filmes de ficção científica e fantasia, é fechar o olho e visualizar o universo cyberpunk de Matrix/Minority Report. Amnesty entra como se o tempo tivesse se dilatado, é pura “brisa. Free Me – faixa Interlúdio de 5min23 de Drip retomam a energia, Drip mesmo possui batidas fortes e um grave profundo que expande em nosso cérebro. Já “Usee” soa como um ritual eletrônico em uma caverna, pesada e profunda rodeada de ecos e punch beats que dançam em nossos ouvidos. Em Feathered Heart, há uma sensação quase espiritual, com arranjos vocais que lembram sussurros ancestrais digitalmente corrompidos e repletos de segredos inaudíveis.
A penúltima faixa, Angels, entrega um momento de revelação, a faixa cresce e desenvolve de maneira explosiva, uma explosão de texturas fractal, essa faixa em específico é uma das minhas favoritas do disco, por carregar um ritmo mais contínuo e transmitir essa sensação de revelação.
E aí vem “Wind”, a faixa final, um “outrolúdio” sutil, que assopra lentamente tudo que sobrou. É o fim, mas também um tipo de renascimento. É incrivelmente difícil tentar escrever uma resenha sobre este disco, a experiência foi, honestamente, como tentar descrever um sonho depois de acordar: tudo escapa pelas bordas. O som de Dvd é etéreo, instável, não se prende à forma alguma — é pura sensação. Não há estrutura tradicional pra se agarrar, não tem refrão pra cantar junto, nem batida que segue uma lógica pop. É uma experiência mais corporal do que racional. Em vários momentos, me peguei tentando entender tecnicamente o que estava ouvindo, mas percebi que esse não era o caminho. ‘STARVVING’ não é feito para ser “entendido”. É pra ser sentido. E traduzir isso em palavras, com coerência e sem trair o que ele provoca, foi um desafio — e espero que, ao ouvir esse disco, você sinta ou entenda aquilo que escrevi aqui.